VIDAS DE ROMANCE
Francisco Foot Hardman
Mil flores para Madame Chrysanthème. Um busto de bronze para
Francisca Júlia, a Musa Impassível. Essas e outras
tantas mulheres escritoras povoam as páginas de Vidas
de Romance, que a socióloga da cultura Maria de Lourdes
Eleutério ora aqui nos descortina. Páginas admiráveis,
sob múltiplos aspectos. Ao adentrarmos nesse universo predominantemente
feminino, escapam-nos, por um momento, as referências de tempo
e lugar. De onde falam essas vozes? Desde quando desapareceram?
Porque, de fato, à exceção certamente da mui
reverenciada Júlia Lopes de Almeida, as mulheres que atuaram
como poetas, dramaturgas, ficcionistas ou ensaístas, nesses
bastidores indevassáveis de nossa história literária,
estiveram sempre à beira do silêncio imposto pelas
forças dominantes do capital cultural. Se não fosse
o esforço de pesquisadoras como a autora deste livro, é
possível que suas atrizes-personagens já tivessem
soçobrado no abatedouro da literatura, que é
como tem sido chamado por Franco Moretti esse efeito colateral obrigatório
do processo de produção de autores-obras canônicos.
A Malu Eleutério não faltaram energia
e talento nessa operação de busca e salva-vidas. Em
sua pesquisa soube reunir, com audácia mas equilíbrio,
os apetrechos da historiadora meticulosa, da biógrafa incansável,
da socióloga vigilante e da crítica fina, resultando
daí um texto original pela informação abundante
que proporciona e as narrativas incomuns a que nos conduz.
Aos homens, neste livro, reserva-se o honroso
posto de coadjuvantes, seja como irmãos, maridos, pais, filhos,
amantes ou amados, na complexa rede de relações que
compõem o sistema de poder cultural e literário. Coadjuvantes,
mesmo no caso de alguns escritores famosos, intelectuais e políticos
de peso. Que, afora raríssimas exceções, sempre
repudiaram em princípio a idéia de uma igualdade
literária entre os sexos. Por isso suas vidas mais
se parecem com a realidade. Longe do brilho de suas suaves contendoras,
letradas, leitoras, escritoras, poetas e romancistas esquecidas.
Ou simplesmente musas impassíveis.
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