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ESCRITORAS ESQUECIDAS PELA REPÚBLICA

Vidas de Romance tira do limbo mulheres até então conhecidas apenas como mães ou noivas de homens famosos

Lilia Moritz Schwarcz / Especial para o Estado

Quem se lembra do nome de Amélia de Oliveira, mais conhecida como "a eterna noiva", por quem versejava o poeta Olavo Bilac? Ou então de Adelaide, sempre descrita nas biografias como uma das três irmãs, talvez a mais querida, do abolicionista Castro Alves? E de Evangelina Lima Barreto, aquela que surge de relance nos Diários Íntimos, do tumultuado escritor Lima Barreto, quando este teme pela integridade moral da irmã? E quem seria Francisca Júlia, que recusa o convite da Academia Paulista de Letras porque o irmão Júlio César, de reconhecido pouco talento, fora preterido pela Instituição? Isso sem falar de Júlia Lopes, que na impossibilidade de ingressar na Academia Brasileira de Letras cede o lugar ao marido, Filinto de Almeida.

Esses nomes e outros tantos - como Ernestina Varela (irmã de Fagundes Varela), Josefina Álvares de Azevedo (irmã de Manuel Antônio Álvares de Azevedo), Maria Eugênia Celso (filha de Afonso Celso), Amélia Bevilacqua (irmã do famoso jurista) - fazem parte do livro Vidas de Romance (Topbooks, 2005), o qual retira do esquecimento uma vintena de escritoras que ficaram guardadas na memória apenas por suas "relações" e não por suas obras: são sempre, e a todo momento, irmãs, filhas, esposas ou mães.

O fato é que, no contexto da emergente República das Letras, sobrou pouco espaço para as mulheres, que foram sistematicamente relegadas ao papel de coadjuvantes. Situação bastante paradoxal se lembrarmos que em fins do século XIX, momento da afirmação do ideário republicano, enquanto a representação das mulheres era inflacionada na simbologia da Pátria - que tentava substituir os heróis do Império por novos modelos, como as Madeleines francesas, de espírito revolucionário -, seu lugar no dia-a-dia continuava restrito ao lar, à família e à esfera privada.

Não é tarefa fácil, portanto, entender e recuperar o ingresso de tais mulheres nessa República totalmente dominada por homens, que garantiam seu lugar cativo nas instituições de prestígio da época, como as Academias de Letras, as Faculdades de Direito ou de Medicina. O caso mais emblemático é o de Júlia Lopes, que se transforma, a um só tempo, em modelo de mulher, esposa, mãe e escritora. Júlia foi a autora mais publicada na 1a República, tendo escrito quase três dezenas de livros e colaborado com uma série de jornais. Mas era também mulher de posses, mãe de três filhos e esposa zelosa de um homem proeminente. Além do mais, dedicava-se ao próprio lar, sendo autora de um livro sobre jardinagem, o que lhe completava a moldura. Basta recuperar certa passagem de seu Livro das Noivas, quando, depois de descrever os homens como egoístas e autoritários, acaba concluindo que era "da cozinha que dependia a felicidade".

Mas o cenário cuidadosamente construído por Maria de Lourdes Eleutério é mais complexo e não se limita à tradução fácil da imagem de submissão. As mulheres de letras também manipulam, mesmo que nos espaços restritos em que trafegam. Bom exemplo é o de Josefina Álvares de Azevedo, que em 1880, na peça O Voto Feminino, ironiza sobre essa questão, que dividia as opiniões mais avançadas. Em um momento divertido do texto, a heroína, provocadora, diz que se o voto feminino passasse tudo seria diferente, as mulheres iriam para os empregos e os homens ficariam em casa. E o marido revida: "Se isso acontecer, serei obrigado a escamar o peixe, limpar o quarto da mulher, lavar a roupa e fazer a goma para as saias! Isto põe o homem na espinha! (...) Prefiro morrer de fome a ter de mexer em panelas".

As mulheres escritoras dedicaram-se ainda aos livros didáticos, filão recentemente aberto e ainda pouco habitado na época. Considerado gênero menor, a literatura escolar no Brasil de inícios do século XIX possuía outras funções além de educar. Para o homem, poderia significar dinheiro e algum prestígio; já para a mulher, era uma extensão intelectual de sua verdadeira vocação: ser mãe. Nesse tipo de produção destaca-se Francisca Júlia, que escreveu entre outros o livro Alma Infantil. E não só ela: a famosa Cecília Bandeira de M. Rebelo, mais conhecida como Madame Chrysanthème, filha da escritora Carmem Dolores, também se dedicou ao gênero, a despeito de ter feito incursões em outras searas. "A legendária e desconcertante Chrysanthème", como teria descrito João do Rio, incomodou a crítica com suas narradoras envolvidas em dramas amorosos ou financeiros. A autora ousou até mesmo em seus contos infantis, ao modificar enredos e trocar as cores dos personagens. No livro Contos para Crianças, publicado em 1906, encontra-se a história A Princesa Negra, uma espécie de mistura de A Bela Adormecida, A Bela e a Fera e Branca de Neve, com narrativas bíblicas ambientadas nos Trópicos. Nela, um rei e uma rainha lamentam a falta de herdeiros e fazem um pedido à fada madrinha: "Como desejaríamos ter uma filha, mesmo que fosse escura como a noite que reina lá fora!" O pedido continha uma metáfora, mas foi atendido de forma literal, pois nasceu uma criança "preta como o carvão". A escritora segue contando como tal "bebê escuro" teria causado "comoção" em todo o reino e obrigado a fada de plantão a uma saída de emergência: a menina "teria a cor que seus pais tanto desejavam", contanto que permanecesse no castelo até o aniversário de 16 anos. Porém, se a princesa desobedecesse, seu futuro seria não só "negro na cor, como escuro no destino". Não é o caso de narrar a história e sim de pensar nos desenlaces. Rosa Negra foge, é obrigada a casar com o feio Urubucaru, mas mesmo assim tem o desejo inesperadamente atendido. Final da história: "belo e branco", o casal conheceu para sempre "a real felicidade".

Seria possível explorar tal conto e pensar no mito do branqueamento, tão influente nesse contexto - tanto para os homens quanto para as mulheres, pois, afinal, nem tudo se resume a uma questão de gêneros. No entanto, tal procedimento nos levaria para longe das inúmeras qualidades do livro. Eleutério revela com sensibilidade de que maneira várias mulheres romperam com os parcos espaços que a República lhes destinara. Reivindicando novos lugares nessa sociedade que se entendia como nova - e que logo geraria tamanha frustração -, essas escritoras questionam suas relações familiares, falam com nostalgia da infância, lamentam o vazio de suas vidas, descrevem viagens, produzem manuais femininos, reclamam dos homens e de seu tempo. É também com paixão que abordam o tema, quase tabu, do divórcio, discutem política e advogam o direito, ainda seleto, de votar. Se no princípio uma crônica mais velada impera, aos poucos vão ganhando espaço, em prosa e verso, um erotismo difuso e uma batalha tímida pelo direito à identidade e à cidadania.

Aí está o grande mérito deste livro: retirar da sombra irmãs, mães, filhas e esposas, e transformá-las em escritoras; recuperar a vida dessas mulheres, que de objeto de análise viram sujeito da narrativa. É como colocar uma lupa de aumento naquelas velhas fotos desbotadas, em que o varão, ou chefe de família, está sempre no centro, rodeado por satélites apagados de sua constelação. Vidas de Romance dirige nosso olhar para o canto relegado da foto, que a luz não destaca.

Lilia Moritz Schwarcz é professora do Departamento de Antropologia da USP.

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São Paulo
07/08/2005

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