INTRODUÇÃO A MACHADO DE ASSIS
& OUTROS ENSAIOS
Vicente de Paulo Barreto
Uma das figuras mais interessantes da inteligência
moderna brasileira foi José Barretto Filho. Tinha a vocação
do retraimento – “um homem subterrâneo”
na definição de sua esposa, Walkyria, com quem teve
12 filhos. Sua vida pública não está isenta
de acontecimentos: foi deputado estadual em seu estado natal, Sergipe,
e atuou na Assembleia Constituinte de 1934. Crítico literário
do Diário de Notícias, professor no Instituto
de Educação do Rio de Janeiro, membro do Conselho
Federal de Educação, foi professor de psicologia educacional
e um dos fundadores da PUC-RJ. Ainda muito jovem, escreveu um romance
de tom proustiano, Sob o olhar malicioso dos trópicos,
citado pelo crítico Wilson Martins em sua História
da Inteligência Brasileira.
Nascido em Aracaju a 27 de janeiro de 1908, descendente
de Tobias Barretto, JOSÉ BARRETTO FILHO aliava a uma
inteligência penetrante um temperamento muito forte. Perdeu
seu amado pai (que era músico) aos sete anos, e desde então
resolveu que não obedeceria a mais ninguém –
solução madura para uma situação familiar
periclitante, da qual se livrou quando veio para o Rio de Janeiro,
aos 14 anos. A essa altura, já era considerado menino-prodígio
por ter publicado um livro de versos, A catedral de ouro,
e entrado para o curso de Direito antes de completar 15 anos.
O adolescente sergipano encontraria um Rio de
Janeiro em efervescência intelectual e política, embebida
pelo positivismo e uma religiosidade católica amorfa. Logo
chamou a atenção de personalidades do mundo intelectual
e artístico da capital. De contato em contato viria a se
ligar, pouco depois, ao grupo da revista Festa, que fez o
contraponto carioca ao movimento modernista que sacudia São
Paulo. Nos dois anos de duração da revista (1927-1929),
teve como companheiros o crítico Andrade Muricy, o poeta
Tasso da Silveira, o contista Adelino Magalhães, Augusto
Frederico Schmidt, Cecília Meireles e Abgar Renault, entre
outros.
Relançada há alguns anos em edição
especial do Instituto Estadual do Livro, Festa traduz uma
espécie de modernismo menos barulhento e mais espiritualizado
que o de São Paulo, como sublinhou Luiz Paulo Horta. Barretto
tinha 19 anos quando começou a colaborar com a revista. Em
quase todos os números, de uma publicação que
durou apenas dois anos, há participações suas;
e nelas se pode constatar a envergadura de suas preocupações
e de seus talentos. Dado essencial para a construção
de sua personalidade e compreensão do mundo espiritual e
intelectual da época foi o encontro com Jackson de Figueiredo
(1891-1928), sergipano como ele, e como ele tendo desembarcado no
Rio. Jackson era uma figura vulcânica e, ao mesmo tempo, como
dizem os que o conheceram, “o gênio da amizade”,
magnetizando o jovem Barretto com sua forte personalidade.
Do presente volume, organizado por mim e pelo
editor José Mario Pereira, constam o texto integral do ensaio
sobre Machado, apontado por muitos como clássico da nossa
crítica, introduções a obras de Jackson de
Figueiredo e Farias Brito, afora uma antologia de sua crítica
literária e cultural no jornal Diário de Notícias,
onde sucedeu a Afonso Arinos de Melo Franco. Esses escritos revelam
as múltiplas facetas intelectuais de Barretto Filho, a sua
inteligência aberta para os temas e autores que moldaram o
século XX e, paralelamente, a manutenção de
suas convicções religiosas. Convicções
essas que não o impediram de mergulhar na rica tradição
filosófica asiática, dela extraindo a seiva que o
alimentou até sua morte, em dezembro de 1983.
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