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O TERREMOTO DE LISBOA REVISITADO

Adelto Gonçalves

O terremoto que na manhã de Todos os Santos de 1º de novembro de 1755 deixou Lisboa de ponta-cabeça já mereceu análises memoráveis de autores portugueses, franceses e ingleses ao longo destes dois séculos e meio que nos separam desse fato único da história da Europa Ocidental. Por que, então, uma historiadora brasileira se abala a reescrever a história desse terremoto, pedindo passagem a Joaquim Veríssimo Serrão, António Manuel Hespanha, Jorge Borges de Macedo, Eduardo Lourenço, José Augusto França, Fernando Castelo-Branco, Rui Bebiano e outros, como diz na introdução de seu livro?

Porque a História está aí mesmo para ser reescrita, pois cada geração, como se sabe, tem uma visão particular dos fatos. Ainda que os documentos sejam os mesmos, a interpretação sempre varia. E o fato de a historiadora ser brasileira pouco muda, pois a história de que trata é comum a Portugal e Brasil, não tivesse o ouro brasileiro ajudado a recuperar a Lisboa destruída. Faz assim uma leitura brasileira dos acontecimentos.

Ao munir-se de muita erudição e leitura, Mary del Priore, doutora em História e ex-professora de História do Brasil da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, escreveu “O Mal sobre a Terra: uma história do terremoto de Lisboa”, instigante ensaio de história social em que procura descobrir o que esse fato representou para aqueles que o sofreram. E, assim, compreender também alguns aspectos da sociedade portuguesa.

Mary del Priore lembra que o desastre do 1º de novembro de 1755 colocou a fé dos portugueses contra a parede, pois deixara destruída uma cidade cristianíssima que tinha espalhado a fé pelo mundo pagão. Deus, onipotente e misericordioso, tratara justos e pecadores do mesmo jeito. Como explicar tal paradoxo? – questiona a historiadora.

Para os padres da Companhia de Jesus, foi a oportunidade de espelhar em seus sermões que a catástrofe era um castigo divino contra os pecados dos cristãos. Passou a circular, então, um papel intitulado “Juízo da Verdadeira Causa do Terremoto”, de autoria do jesuíta Gabriel Malagrida, que acabara de voltar do Brasil com a fama de santo. Segundo o religioso, Lisboa atraíra a fúria divina porque as esposas de Cristo haviam quebrado “suas clausuras”, fazendo da cidade uma “Babilônia de incontrolável confusão”. Para Malagrida, Deus estava gravemente irado pelos pecados de todo o Reino e muito mais de Lisboa.

Muita tinta já se gastou sobre episódio. E, com justiça, muitos se levantaram contra a selvageria que foi a imolação do padre na fogueira. Mas quem lê os documentos da época vê que o ministro de D. José, Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro marquês de Pombal, ficou numa situação insustentável diante do desafio que representavam as invectivas de Malagrida. Quem ler as distribes do padre só pode imaginar que se tratava de um louco, um desvairado, um suicida, que, diante das circunstâncias da época, buscava o seu próprio sacrifício.

Mary del Priore, de maneira percuciente, lembra algumas teses de Carvalho e Melo, especialmente aquela segundo a qual Portugal teria sido uma nação poderosa e culta até a chegada da Companhia de Jesus. A partir de então, o obscurantismo teria se abatido sobre a universidade, as letras e as ideias. As intrigas e o fanatismo teriam alimentado o envio de D. Sebastião à África, as alianças com os espanhóis no reinado de Filipe II, a desgraça em que caiu Francisco de Lucena durante a Restauração e o conflito da Cúria com o Santo Ofício no reinado de D. Pedro II. Mais para frente, como observa a autora, a tentativa de regicídio contra D. José se encarregaria de engordar a lista de queixas contra os jesuítas.

O que parece incontestável é que havia mesmo uma campanha em curso contra o ministro de D. José movida pela Companhia de Jesus, e o panfleto de Malagrida surgia como um ariete apontado contra o governo. Como observa a historiadora, o messianismo na voz do velho jesuíta expressava uma resistência alarmada contra a transformação cultural e social do país. Era a voz do atraso que se levantava. Diante disso, a reação contra Malagrida representou a própria sobrevivência de Carvalho e Melo à frente do governo.

Contrariando boa parte da historiografia moderna, Mary del Priore defende que, apesar de toda a proeminência dada a Carvalho e Melo no trabalho de recuperação de Lisboa, o papel de D. José não pode ser de todo descartado, mostrando que o filho de D. João V não foi um inepto à mercê de um primeiro-ministro despótico. Aliás, D. José, a exemplo de D. João VI, foi vítima do republicanismo exacerbado de muitos historiadores do final do século XIX para os quais tudo de ruim devia ser debitado à monarquia.

Não é só de D. José e seu ministro que trata o livro que Mary del Priore escreveu numa linguagem fácil, que se aproxima à do romance policial, capaz de prender a atenção do leitor até a última linha. Vai muito além em sua interpretação dos múltiplos significados do sismo a partir de depoimentos de sobreviventes, desde o conhecido testemunho de Jacome Ratton até os de britânicos que também sofreram na pele o drama.

Na introdução, a historiadora já se arma contra possíveis críticas ao seu trabalho, lembrando a famosa frase de Câmara Cascudo: “Sei dos recenseadores de omissões, mais atentos ao que falta do que verificadores do que existe”. Mesmo correndo o risco de vestir a carapuça, em nome da verdade, porém, é preciso que se diga que a autora limitou sua pesquisa, praticamente, a livros impressos – alguns raros, do século XVIII.

As únicas fontes manuscritas citadas são alguns documentos que constam do acervo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Rio de Janeiro, dos Archives du Ministère des Affaires Étrangères, de Paris, ou do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Sente-se, por isso, a ausência de manuscritos da Torre do Tombo, da Biblioteca do Palácio da Ajuda e da Biblioteca Pública de Évora, onde, por exemplo, estão os papéis de frei Manuel do Cenáculo. Nada disso, porém, compromete a grandeza da obra.

REVISTA NETHISTÓRIA
2003

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