XODÓ DOS MARINHO, WALLACH DIZ QUE
SANEOU FINANÇAS DA TV GLOBO
Ex-executivo narra em livro de memórias
as dificuldades dos primórdios da emissora carioca
Americano revela ter convencido dono da TV a comprar a parte da
Time-Life na parceria com os brasileiros
Fabio Victor
DE SÃO PAULO
A duas semanas de completar 88 anos, o americano Joe Wallach esbanja
vitalidade. Finaliza a maioria das frases com uma gostosa gargalhada.
Inteiramente lúcido, estuda história entre jovens
na UCLA (Universidade da Califórnia, em Los Angeles), joga
golfe, viaja o mundo. Agora está uma vez mais no Brasil,
onde lança hoje à noite, no Rio, seu livro de memórias,
"Meu Capítulo na TV Globo" (Topbooks).
Não são memórias quaisquer.
Wallach foi crucial na construção da TV Globo. Se
Walter Clark e Boni arquitetaram o conteúdo e a programação
dos primórdios da emissora, Wallach foi, desde o início,
o executivo das finanças e da administração.
Tornou-se, por isso, amigo íntimo de Roberto Marinho e é
até hoje reverenciado pelos filhos do criador da Globo, que
hoje dirigem a empresa.
Em depoimento na contracapa do livro, Roberto
Irineu Marinho, presidente das Organizações Globo,
agradece ao "amigo e companheiro". Joe Wallach já
havia lutado na Segunda Guerra Mundial – foi ferido na Bélgica
em 1945 – quando chegou ao Brasil em 1965 para ser o representante
da Time-Life na parceria que o grupo americano fizera com a Globo.
Foi o dinheiro da Time-Life que permitiu à
emissora iniciar as atividades naquele ano, o que gerou um levante
nacionalista contra o negócio, até porque as leis
do país vetavam participação estrangeira na
radiofusão.
Capitaneado por Carlos Lacerda e Chateaubriand,
o movimento culminou numa CPI na Câmara dos Deputados em Brasília.
Apesar de a CPI e o Conselho Nacional de Telecomunicações
concluírem que o acordo era inconstitucional, dois presidentes
militares (Castelo Branco e Costa e Silva) depois o validaram.
Nas memórias, Wallach defende que a Globo
não foi beneficiada pelo regime militar. O livro deixa claro,
entretanto, que a Time-Life foi bem mais do que uma parceira técnica
e que Wallach, desde o início, teve autonomia para atuar
dentro da emissora – ao contrário da tese dos parceiros
de que os americanos dariam só suporte técnico.
Wallach conta que a Time-Life teve prejuízo
na operação e que ele convenceu Roberto Marinho a
comprar, em 1969, a parte dos americanos.
Segundo o livro, o grupo investira US$ 5 milhões na Globo
(cerca de US$ 30,8 milhões em valores de hoje) e acabou vendendo
sua parte por R$ 3,8 milhões (US$ 23,4 mi).
Instado a qualificar seu papel na construção
da Globo, Wallach de início hesita. "Não gosto
de me promover", diz, num português quase fluente e com
forte sotaque. Mas logo revela que: 1) saneou a empresa ("Quando
cheguei, havia dívidas enormes"); 2) buscou talentos
("Localizei Walter Clark"); 3) implantou o conceito de
orçamento; 4) deu a estrutura de organização,
criando centrais; 5) coordenou a equipe ("Havia muitos jovens
com talento, mas várias brigas entre os departamentos").
Pelo livro sabe-se ainda que ele implantou bônus
para executivos e plano de saúde para funcionários.
"E eu era", afirma Wallach, "o homem mais ligado
a Roberto Marinho. Então, ele sempre me ouviu". Almoçavam
juntos diariamente. Num discurso em 1998, o empresário diz
que Joe lhe conquistou, entre outras várias virtudes citadas,
"pelo zelo escrupuloso com que tratava, em pé de igualdade,
tostões e milhões".
Quando decidiu voltar aos EUA, em 1980, a contragosto
de Marinho e abrindo mão de um salário em torno de
US$ 1 milhão por ano, Wallach alegou que precisava ficar
perto da família e queria "descobrir o significado da
vida". Hoje, admite que não se devotou tanto à
família e conta, às gargalhadas, que ainda tenta achar
o sentido da vida.
Livro é crucial para entender criador da Globo
DE SÃO PAULO
No final de 1969, o grupo americano Time-Life mandou uma delegação
ao Brasil cobrar de Roberto Marinho retorno dos investimentos que
havia feito na emissora. Numa reunião no Copacabana Palace,
da qual participaram Marinho e Wallach, um alto executivo da Time-Life
queixou-se dos prejuízos e de que Marinho não assinara
direito as notas promissórias. Esbravejou por 20 minutos,
até que Marinho puxou Wallach num canto e disse: "Joe,
estou indo embora. Vou passear de barco no fim de semana. Vejo você
na segunda". E saiu.
As memórias de Joe Wallach, da qual emergem
histórias como essa, são leitura fundamental para
conhecer e compreender melhor a complexa figura do criador da Globo.
O autor conta que, quando chegou ao Brasil, em 1965, comunicava-se
com Marinho em francês – Wallach ainda não falava
português, e o empresário não dominava o inglês.
Marinho, conta o livro, locomovia-se pelo Rio
num Fusca. Quando brigou com Carlos Lacerda (segundo Wallach porque
o então governador da Guanabara tombou o Parque Lage, que
Marinho comprara), o dono da Globo andava com revólver na
cintura, e corria o boato de que ameaçara matar Lacerda.
O autor diz que Marinho gostava dos presidentes
Castelo Branco e Figueiredo, mas afirma que o empresário
não conspirava com os militares.
Joe Wallach revela que em 1967, durante dificuldade financeira,
Silvio Santos (então apresentador na TV Paulista, braço
da Globo em São Paulo) emprestou dinheiro à emissora.
Narra ainda o tratamento dispensado por Marinho
a Otto Lara Resende e Nelson Rodrigues, funcionários da TV
e do jornal "O Globo", respectivamente. Na visão
do autor, o empresário passava aos escritores tarefas incompatíveis
com a grandeza de ambos.
TRECHO
A despeito do empréstimo de Moreira
Salles, foi José Luiz [Magalhães Lins] quem nos salvou,
além de pequeno empréstimo noutro banco brasileiro.
Chegamos até a pegar dinheiro emprestado de Silvio Santos,
a 8% de juros ao mês, porém o Dr. Roberto nunca soube
disso.
[De "Meu capítulo na TV Globo"]
Veja também:
O
homem que inventou a Globo conta a sua história
15
anos na alta cúpula |