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OS LIMITES DA VOZ, DE LUIZ COSTA LIMA

As fronteiras do imaginário

José Mario Pereira

Reconhecido no Brasil e no exterior com um dos mais brilhantes e prolíficos pensadores do país, Luiz Costa Lima acaba de lançar seu novo livro, "Limites da voz", um erudito e espetacular esforço de compreensão de autores como Montaigne, Schlegel e Kafka, entre muitos outros. O que se pode dizer, de imediato, é que um empreendimento desse porte ainda não tinha sido levado a cabo entre nós. Mesmo se pensarmos em termos de produção internacional, trata-se de tarefa respeitável, o que explica o interesse que já está provocando em editoras alemãs e americanas.

Escrito entre agosto de 1991 e janeiro de 1993, em parte na Alemanha, o livro representa um desdobramento de seu trabalho anterior sobre o controle do imaginário. Luiz Costa Lima, nascido no Maranhão mas educado em Recife, tem sido professor quase a vida inteira, mesmo quando foi cassado em 1964. No seu entender, a primeira providência a se tomar para que o Brasil melhore culturalmente é o incentivo à criação de grandes acervos públicos, tornando o livro acessível a toda a população: "Mas falta vontade política", diz. Sobre o Rio de Janeiro, ao qual tem permanecido fiel, resistindo a inúmeros convites para se mudar de vez para o exterior, Costa Lima faz observações pertinentes: "Uma das vocações do Rio é o turismo. Por que o governo não investe no ensino de línguas estrangeiras? No meu tempo de estudante você saía do secundário falando uma língua. Para isso acontecer hoje o pai tem que ter dinheiro para mandar o filho estudar numa escola particular".

Sobre muitos temas relacionados com o novo livro, entre eles os problemas da lei em Kafka e em Kant, o romantismo alemão, a singularidade do estilo de Kafka, o problema da verdade, a importância de Schlegel na fundamentação do ideário romântico e a problemática do eu em Montaigne, Luiz Costa Lima, já às voltas com um novo projeto de livro sobre a mímese, conversou com O GLOBO em seu apartamento da Gávea.

O Globo - Quando você deu início à pesquisa sobre o controle do imaginário?
LUIZ COSTA LIMA - Foi a partir dos anos 80 que comecei a me preocupar com a análise dos mecanismos a que o pensamento ocidental tem subordinado o imaginário. Essa hipótese inicialmente se apresentava como uma coisa típica de Brasil, da crítica brasileira do século XIX. Mas, lendo tratados de poética renascentistas, verifiquei com assombro que, em vez de o Renascimento se caracterizar, como sempre se acreditou, por uma proposta de liberdade, na verdade não era assim. Essa constatação exigiu uma pesquisa mais ampla, o que só foi possível quando, em 1984, aceitei ensinar nos Estados Unidos e pude ficar dois anos e meio metido na biblioteca da Universidade de Minnesota. Foi seguindo por essa linha que descobri como, a partir do século XVII, se estabeleceu uma nova forma de controle, tendo por base o pensamento iluminista francês. Em suma, meu trabalho tem um caráter de desbravamento da questão. Parti do pressuposto de que o pensamento ocidental se caracteriza à medida que nele vence uma linhagem racionalista, e esse racionalismo moderno se caracteriza por ter o imaginário como uma espécie de sucursal de um caminho mágico, religioso.

O Globo - "Limites da voz" é um prolongamento dessa pesquisa?
LCL - Sim. Verificado que tal controle existe, trata-se agora de perguntar: por que esse controle se mostrou tão necessário do ponto de vista do pensamento ocidental? Que vinculação ele pode ter com outros mecanismos que não digam respeito simplesmente ao campo da arte, da literatura? Verifiquei, então, que não poderia compreender a necessidade que o Ocidente tem e teve de controlar o imaginário sem levar em conta uma questão que se torna decisiva com Montaigne: a da legitimação do sujeito individual. É a partir dos "Ensaios" que a questão do sujeito enquanto indivíduo - e não enquanto ligado à Igreja, à família, ao Estado - enfim, tudo que diz respeito ao "eu" se torna digno de ser escrito.

O GLOBO - Qual é a conseqüência de se afirmar que tudo que se passa com o "eu" tem o direito de ser escrito?
LCL - Significa dizer que esse direito que é meu, que é seu, é também de milhões de pessoas. Se esse direito é de cada um, se o simples fato de ser eu me dá o direito de escrever, de falar sobre a minha dor de barriga, sobre a coisa mais elementar que se passa comigo, se esse direito é assim multiplicado por milhões, o que assegura que, no interior desse mundo de vozes, algumas delas estejam falando a verdade ou não? Dizendo mais diretamente: estabelecer a relação entre Montaigne e a legitimação do sujeito não tem novidade alguma. Há muito tempo se sabe disso. A questão é outra: como o reconhecimento dessa legitimação traz um problema quanto à questão da verdade. O que quero dizer, muito concretamente, é: Montaigne é importante e aparece em primeiro lugar no livro porque não se pode pensar a questão do controle sem se pensar a questão da legitimação do direito individual.

O GLOBO - O que singulariza a reflexão de Montaigne sobre a questão da verdade?
LCL - Com Montaigne, no final do século XVI, essa velha questão filosófica adquire nova ênfase. Fundamentalmente a verdade no pensamento clássico diz respeito à coincidência entre a ordem do enunciado e a ordem das coisas. Verdade ali é aquilo que se conforma em termos de enunciado com a substância, com o que está sob as coisas. Essa concepção substancial da verdade eliminava a questão do "eu". À medida, entretanto, que aparece essa nova ordem, a ordem subjetiva, do sujeito, como é que a questão da verdade pode ser respondida? Mas, não sendo filósofo, Montaigne não tem a pretensão de resolver o problema, o qual só se solucionará com Kant.

O GLOBO - Por que você enfatiza a importância de Kant na arquitetura de "Limites da voz"?
LCL - Kant é uma espécie de dobradiça necessária, que articula para trás e para diante - para trás à medida que oferece a resposta do que se formula como pergunta em Montaigne, e para diante à medida que procuro mostrar que o problema básico de Kafka é analisar a situação do homem num mundo que as categorias iluministas não são capazes de explicar. É necessário um retorno a uma indagação sistemática de Kant dentro desse mundo em que a lei kantiana simplesmente já não funciona. A primeira "Crítica" de Kant pretende responder ao campo das ciências exatas, justificá-las. A segunda pretende responder ao problema da ética, do foro íntimo. Mas o campo da ética não pode ser cientificizado, e o campo científico não é capaz de dar respostas éticas. Nesse sentido há um dilaceramento, que será sentido bastante profundamente, razão pela qual Kant vai se enlaçar com Schlegel. Esse dilaceramento das duas razões impressiona enormemente a geração romântica alemã. Por isso dedico um grande capítulo a Schlegel: para mostrar como os românticos reagem a esse dilaceramento, a essa inexistência de uma teoria única capaz de dar conta do conhecimento como um todo. Os românticos tentam conciliar essas duas coisas, procuram, a partir da idéia desse "eu" dilacerado entre uma razão científica e uma razão privada, ver na literatura uma maneira de sondagem infinita de si mesmo. É também Schlegel o primeiro a apontar a diferença entre o crítico e o juiz de arte, como nota Benjamin.

O GLOBO - Que semelhanças podem ser assinaladas entre Montaigne e Kafka, tema do segundo volume de "Limites da voz"?
LCL - Com Montaigne, lançam-se as bases para a concepção moderna de literatura como a expressão absoluta em todos os níveis de profundidade do "eu". Aparentemente a narrativa kafkiana pertence à mesma tradição inaugurada por Montaigne, mas com uma diferença muito grande. Se em Montaigne o "eu" aparentemente domina sobre a sua circunstância, em Kafka é tudo ao contrário: em vez do "eu" ser agora um centro estável, ele é instável, disperso.

O GLOBO - O que caracteriza o estilo de Kafka?
LCL - Há uma resposta bem factual, e outra que me interessa mais. A primeira diz respeito à caracterização do meio cultural em que ele viveu. Kafka é um judeu tcheco que, embora sabendo tcheco, escreve nessa língua com erros. A sua língua materna é o alemão, que é a língua da comunidade judaica no interior de Praga - comunidade essa que é desprezada de um lado pelos tchecos enquanto nacionalistas e de outro pelos alemães enquanto membros da administração do império austro-húngaro. Então o curioso é que Kafka tem por língua materna uma língua que ele não pratica no interior da comunidade em que vive. A língua dele, como alguém já disse, é de papel, é a língua da burocracia, artificial: o alemão que ele fala é correto, mas não é uma língua viva. Essa relação com uma língua materna que não é, em seu meio, viva, me parece que criou uma química muito especial na cabeça de Kafka. Digamos que ele é estranho àquilo que, entretanto, lhe é familiar, e vice-versa. A partir daí, nós do Terceiro Mundo podemos fazer uma analogia. Enquanto membros do unibloco capitalista, temos condições de verificar as estranhezas desse mundo, algo que para quem está dentro do Primeiro Mundo é menos perceptível. Nesse sentido, possuímos uma sensibilidade para perceber em Kafka aquilo que os seus próprios contemporâneos não poderiam perceber.

O GLOBO - Qual é a tônica do tratamento que você dá a Kafka?
LCL - O toque básico é mostrar a articulação de Kafka com a problemática kantiana. Em toda a bibliografia que encontrei sobre Kafka, pouquíssimos autores antecipam esse tratamento - em especial o livro de Deleuze e Guattari ("Kafka - Por uma literatura menor"), com o qual raramente concordo e que me parece um grande delírio, mas que tem essa coisa muito importante: a relação de Kafka com a problemática kantiana já aparece. A partir desse relacionamento Kafka-Kant, procuro mostrar como as interpretações aceitas sobre Kafka são verdadeiras enquanto parciais, e que se trata então de articulá-las.

O GLOBO - O que você acha de "O outro processo", o livro de Elias Canetti sobre Kafka?
LCL - É um livro maravilhoso. Ele pretende ser o que é, simplesmente uma reflexão sobre Kafka, mostrando como a própria problemática de Felice lhe serve de alimento para seus livros.

O GLOBO - Como se dá o tratamento do problema da lei em Kant e em Kafka?
LCL - Há uma resposta para o problema da lei enquanto reconhecimento do sujeito dada por Kant. Em Kafka essa lei se mostra um desmantelo. Se Kant entrou para dar respostas a Montaigne, Kafka, ao contrário, aparece para mostrar como a resposta kantiana já não funciona. Kant é a base, o patamar fundamental de legitimação da modernidade, e esse pensamento engendra a legitimação da literatura enquanto ligada à questão do "eu". O que se diz é que a contemporaneidade de Kafka consiste em que ele, no começo do século XX, intui, por uma combinação de sensibilidade religiosa e sensibilidade sociopolítica, a regulação dos fenômenos - ou seja, que a afirmação de leis, tal como é feita no Iluminismo, não está funcionando no mundo contemporâneo. Isso não quer dizer que Kafka seja um profeta, um vidente - ele simplesmente vê o que lhe é complementar. Vejamos bem concretamente: como é que se explica que você está no seu quarto, batem na porta, você abre, um sujeito diz que é da polícia e que você está preso? Isso, do ponto de vista do Estado constitucional, só poderia se explicar como sendo uma ditadura. Mas Kafka não está falando de ditadura, e sim do seu quotidiano. A partir dessa situação inicial de "O processo" podemos começar a vislumbrar onde está a intuição kafkiana. Que pergunta se põe na relação de Joseph K. com os seus detentores, familiares e advogados? Que problema se coloca? Este: afinal de contas, o que é lei, onde está a lei? Em Kafka tudo está ligado: o braço policial ao financeiro, o braço financeiro ao espiritual. Daí uma crítica alemã dizer que o poder em Kafka deixa de ser um poder central para ser um poder de rizoma, espalhado por todos os lugares, como um câncer.

O GLOBO - Que impressão você teve de Kafka ao reler sua obra inteira?
LCL - Algumas coisas eu nunca tinha lido, em especial partes do "Diário". A impressão mais forte é a de que o narrador kafkiano está a todo instante pronto a lhe dar uma rasteira. Você espera uma coisa e vem outra. Isso em Kafka é lugar-comum. Quanto ao estilo, o alemão de Kafka é seco, digamos, um alemão de Graciliano Ramos. Não tem as riquezas e peripécias sintáticas de um Thomas Mann - do mesmo modo que Graciliano não é Guimarães Rosa. Kafka é um grande estilista enquanto explorador do seco. O único autor que eu aproximaria de Kafka é Beckett. Não faço referência a isso no livro, mas é possível pensar uma mesma problemática de questionamento radical da idéia de lei em Beckett.

O GLOBO - Finalmente, como se deve ler Kafka?
LCL - Eu não daria uma receita. Só posso dizer o seguinte: procure ler Kafka sem vê-lo como representação de alguma coisa. Se você ler Kafka procurando verificar qual é o problema religioso, qual é o problema sexual, como é que ele vê a sociedade, você não terá uma visão integral dele. Leia Kafka por Kafka e deixe que os problemas lhe apareçam.

Entrevista publicada em 19 de setembro de 1993 no suplemento Livros do jornal O Globo, por ocasião do lançamento da primeira edição do livro que sai agora, em 2005, em segunda edição, revisada pelo autor, sob a chancela da Topbooks.

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