REFLEXÕES SOBRE A REVOLUÇÃO
NA FRANÇA
Edmund Burke (1729-1797) já era
bem conhecido quando escreveu Reflexões sobre a Revolução
na França, publicado em 1790. Advogado, autor de textos
filosóficos e um dos líderes dos Whigs, ele
defendia uma política liberal, favorável às
reivindicações dos colonos da América inglesa,
ao fim da escravidão, ao livre comércio e à
tolerância em relação aos católicos.
Mas Burke foi radicalmente contrário à Revolução
Francesa por julgar que a legislação dela decorrente
se fundava em ideias teóricas e atemporais, quando as reformas
devem ser sempre particulares e ligadas ao seu contexto histórico.
A consequência inevitável disso seria uma ditadura,
afirmou profeticamente neste livro escrito anos antes do período
do Terror.
Irlandês de pai anglicano e mãe
católica, Burke foi um liberal "à inglesa",
cuja filosofia política mantém laços com o
direito natural clássico, sob sanção divina,
em oposição ao conceito dos sagrados e inalienáveis
Direitos do Homem, oriundo da Revolução Francesa –
o que, segundo ele, seria impostura, fruto de uma perversão
do espírito e da moral, destinada a encobrir as barbaridades
cometidas por arrivistas corruptos e sanguinários. Para Burke,
o sistema político associado àquele conceito é
absurdo porque metafísico e abstrato: os filósofos
revolucionários haviam feito do homem uma "ideia"
sem qualquer conexão com a realidade, e desenvolvido um sistema
teórico sem base natural ou histórica.
Deputado no Parlamento britânico de 1765
a 1794, Edmund Burke era contrário a formas de governo construídas
sobre princípios abstratos, que ignoravam a tradição,
os fatos concretos e as condições reais de existência
da população. A paixão simultânea pela
ordem e pela liberdade é uma característica de seu
pensamento e de sua atividade política. Em 1770 ele escreveu
um panfleto – Thoughts on the Cause of the Present Discontents
– combatendo a intervenção crescente do rei
George III nos assuntos do governo, o que, embora legal, ia contra
o espírito da Constituição britânica.
Mais tarde, em 1774 e em 1775, discursou sobre
a Guerra de Independência da América, e afirmou que
as decisões do Parlamento, ainda que pautadas pela legalidade,
precisavam levar em conta “as circunstâncias, a utilidade
e os princípios morais” na relação com
as colônias – ou seja, que o legalismo estrito do Parlamento
devia considerar a opinião dos colonos – apelando assim
à "moderação legislativa". Para Burke,
a Revolução Francesa representou o advento da barbárie
e a subversão das leis morais e da tradição
civil e política, pois considerava a sociedade humana demasiado
complexa para ser suscetível de uma compreensão racional
simplista, e muito menos de uma alteração radical
como a proposta pela Revolução de 1789.
Por ser menos um economista do que um filósofo,
Burke manifesta uma “confiança pessimista” nos
homens; acredita na liberdade como expressão do que a natureza
humana tem de melhor, mas também reconhece que essa liberdade
pode ser corrompida. Daí deriva seu gosto pelas tradições
e pela ordem social estabelecida, e sua rejeição a
qualquer intervenção do Estado na economia. O verdadeiro
liberal, segundo ele, deve lutar para limitar o poder, e não
para exercê-lo – no que faz eco à célebre
afirmação de Lord Acton: todo poder corrompe.
Reflexões sobre a Revolução
na França, que a Topbooks agora edita no Brasil em parceria
com o Liberty Fund, despertou reações dentro e fora
da Inglaterra, transformando Burke numa personalidade europeia.
O livro começa pela análise dos sujeitos revolucionários,
os atores da Revolução, que careciam de qualquer experiência
prática em assuntos de governo. Os representantes do povo
não entendiam de legislação, e eram, muitas
vezes, indivíduos rudes e despreparados para o poder, o que
gerava abusos e comprometia a ideia de soberania popular. Nesse
sentido, a Revolução não encarnaria os valores
da liberdade, e sim os valores do poder. Defensor do ethos
clássico-cristão, o pensador irlandês advogava
uma espécie de commonwealth cristã e europeia,
da qual a França jacobina se apartara; nessa linha, chega
a defender o apoio do governo britânico à causa contra-revolucionária
francesa.
Edmund Burke denuncia o espírito voluntarista
da Constituição francesa, fundada num individualismo
igualitário abstrato. Com isso, sublinha o abismo existente
entre o reformismo à inglesa e o espírito absolutista
da Revolução Francesa; para ele, tratava-se de um
fenômeno completamente novo, que não podia ser comparado
à Revolução Inglesa de 1688, esta sim capaz
de provocar uma mudança dinástica e constitucional
ponderada e limitada. Burke se filia assim à longa linhagem
que inclui Bernard Mandeville e Adam Smith, na qual está
a gênese do pensamento econômico e liberal inglês.
Para o autor, a sociedade humana desenvolve-se
não tanto por intermédio da atividade racional do
homem, mas, sobretudo, por meio de sentimentos, hábitos,
emoções, convenções e tradições,
sem as quais ela desaparece, coisas que o olhar racional é
incapaz de vislumbrar. Um racionalismo impaciente e agressivo, que
se volta contra a ordem social, acaba destruindo tanto as más
como as boas instituições. Burke defende assim a ideia
da limitação da Razão em face da complexidade
das coisas, propondo que, diante da fragilidade da razão
humana, a humanidade deve proceder com respeito para com a obra
dos seus antecessores, em prol do desenvolvimento social.
A sua defesa de uma concepção orgânica
das instituições influenciou decisivamente o romantismo
político alemão e pensadores como Joseph de Maistre.
Gênio da retórica, mestre da argumentação
imaginativa, Burke exerceu ainda influência na análise
do totalitarismo empreendida por Hannah Arendt, que retoma a oposição
por ele introduzida entre os “verdadeiros direitos do homem”
e os direitos “metafísicos” da Declaração
de 1789. Outras obras de Edmund Burke no terreno da estética,
como A Philosophical Enquiry into the Origin of our Ideas of
the Sublime an Beautiful, marcaram o pensamento de Kant e o
desenvolvimento da filosofia da arte.
OPINIÕES:
Insigne mestre de ciência prática
de administração e política ortodoxa, [Burke
foi] o mais valente antagonista da Seita Revolucionária,
e o que, ensinando realidades, e não quimeras, expôs
os verdadeiros Direitos do Homem, lançando exata linha divisória
entre as ideias liberais (...) e as cruas teorias de especuladores
metafísicos, ou maquiavelistas, que têm perturbado,
ou pervertido, a imutável Ordem Social (...).
JOSÉ DA SILVA LISBOA
(Visconde de Cairu)
A desordem, o derramamento de sangue, as injustiças
flagrantes contra as classes sociais (...) e, sobretudo, a desastrosa
ruptura com toda a história da nação francesa
incitaram Burke não somente a promover no Parlamento a campanha
mais enérgica, mas também a publicar uma série
de obras que, como combinação de mérito literário
e eficácia política, não tem igual. Esta série
começou com as famosas Reflexões sobre a Revolução
na França, de 1790 (...). Ele foi, antes de tudo, um
retórico, e provavelmente o maior que os tempos modernos
produziram.
GEORGE SAINTSBURY
A essência do ataque de Burke contra a Revolução
consistia em que os revolucionários franceses tinham querido
passar a borracha no passado, em vez de revigorar os velhos direitos
contra o absolutismo monárquico. O respeito de Burke pela
tradição não era sempre reacionário.
Recorrendo ao mesmo argumento em favor dos velhos direitos, ele
defendera os insurretos americanos 15 anos antes. Além disso,
seu conservadorismo, assim como era politicamente liberal, também
era economicamente moderno: ninguém menos do que Adam Smith
elogiou-o por sua perfeita compreensão da economia liberal.
JOSÉ GUILHERME MERQUIOR
Burke é um crítico importante.
Os argumentos que ele opõe à Revolução
Francesa são muito penetrantes e proféticos. (...)
Não se deve culpá-lo pelo excesso de alguns de seus
admiradores modernos.
ISAIAH BERLIN
Publicadas em 1790 (antes da queda da monarquia), as Reflexões
sobre a Revolução na França foram um sucesso
imediato: 11 edições em um ano, 30 mil exemplares
vendidos durante a vida do autor, as traduções francesa
e alemã logo transformaram o livro de Burke em referência
obrigatória para todos aqueles que, no continente como na
Inglaterra, tomavam partido pró ou contra a Revolução
Francesa.
PHILIPPE RAYNAUD
O trabalho futuro que os historiadores do pensamento vierem
a realizar sobre Burke deverá avaliar de novo sua relação
com a escola da Ilustração escocesa, em especial com
Adam Smith e David Hume.
IAIN HAMPSHER-MONK
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