A REPÚBLICA ART DÉCO
Entre o Buckingham Palace em Londres e a Casa
Rosada de Buenos Aires, o Vaticano e o Élysée de Paris,
o poder tende a percorrer ideias muito peculiares a respeito daquilo
que as revistas de decoração chamam de morar bem e
com conforto.
Antes
de se submeterem a Brasília e ao estilo Niemeyer, nossos
governantes puderam se revezar, depois de 1897, entre o neoclássico
sólido, pesadão, do Palácio do Barão
de Nova Friburgo (depois Palácio do Catete), e, a partir
de 1947, a exuberância art déco do Palacete Guinle,
adquirido pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra aos herdeiros
de Eduardo Guinle pela bagatela de 27,5 milhões de cruzeiros
(cem vezes o que custava um apartamento de três quartos em
Copacabana).
É esse Palácio das Laranjeiras
– como ficou conhecido ao passar para o acervo arquitetônico
da União – que acaba de ganhar um documento digno de
sua acolhedora, estonteante beleza: livro de 247 páginas,
em formato coffee table, impecavelmente editado pela Topbooks, com
fotos atuais de Pedro Oswaldo Cruz e textos de Beatriz Coelho Silva
e Christine Ajuz. O atual inquilino, o governador Sergio Cabral,
celebra, no prefácio, esse "patrimônio da história
republicana", e promete zelar por ele, nos mínimos detalhes.
Desde 1974, quando o presidente Geisel decidiu pela fusão
do estado da Guanabara, essa pérola lapidada pelo arquiteto
Armando Carlos da Silva Telles – claramente inspirada em Charles
Garnier, o do Cassino de Montecarlo e da Ópera de Paris –
serve de teto aos governantes do Rio.
Tem tido hóspedes ilustres e inquilinos
esquisitos o Palácio das Laranjeiras. Dois presidentes americanos,
Harry Truman e George Bush pai, hospedaram-se à sombra de
seus ipês e cedros centenários. Costa e Silva, o segundo
presidente do ciclo militar, escreveu a mais sórdida página
ali escrita, com o AI-5 de 13 de dezembro de 1968. (O ditador seria
ali velado menos de um ano depois). Antes disso, João Goulart
tinha feito do Laranjeiras o cenário da solitária
agonia de seu governo. O francófilo Fernando Henrique Cardoso
se sentia à vontade naquele ambiente rococó, em suas
viagens ao Rio no primeiro mandato de presidente da República.
(O governador Marcello Alencar nunca viveu ali).
Mas,
por ironia, quem ofereceu ao Laranjeiras os melhores dias e noites
de fastígio e glamour foi aquele que, com Brasília,
conferiu ao poder presidencial uma moldura arquitetônica de
monumentalidade modernista: Juscelino Kubitschek. JK mudou-se para
lá em 1957, a tempo de anfitrionar em palácio o presidente
de Portugal, Craveiro Lopes. Foram os anos dourados do antigo casarão
dos Guinle. JK adorava música e tinha um pé no show
business. Lá estiveram Nat King Cole, Louis Armstrong, The
Platters, Pixinguinha, Kim Novak, David Niven e um galalau vestido
de guerrilheiro chamado Fidel Castro (tiveram de providenciar uma
cama maior para o recém-instalado governante cubano).
Já no século atual, quem comandou
a casa, por oito meses, foi uma ex-favelada negra do Morro do Chapéu,
no Leme. Naquele esplendor de escadas de mármore, esculturas
de bronze, afrescos de teto, painéis de parede, pisos de
mosaicos, poltronas bergère, relógios de marchetaria,
candelabros de ferro fundido e boiseries de nogueira, uma
Benedita da Silva exerceu a luxuosa democracia de seu mandato popular.
coluna Estilo, de Nirlando Beirão
CARTA CAPITAL
11/03/2009
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