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UM PASSEIO NO BARCO À DERIVA DA ORDEM

José Nêumanne

Em 1984, um dos maiores teóricos da literatura brasileira - o maranhense com formação em Pernambuco Luiz Costa Lima - enfurnou-se na biblioteca da Universidade de Minnesota, nos EUA, onde lecionava, em busca de respostas para a complexa questão do registro da verdade coletiva feita pela ficção do sujeito individual. Numa pesquisa exaustiva e paciente, descobriu que o controle do imaginário não era, como pensava antes disso, uma idiossincrasia da crítica literária brasileira do século XIX. Mas que, ao contrário do que imaginara, o Renascimento nem sempre se caracterizou por uma coerente e permanente proposta de liberdade. Pois já o pensamento iluminista francês havia estabelecido uma nova forma de controle no lugar antes ocupado pelos autos-de-fé e pelo absolutismo real. Daí foi um passo ele concluir que no Ocidente tem predominado uma linhagem racionalista, na qual o imaginário passou a exercer o papel antes desempenhado pela magia e pela fé religiosa.

Essa constatação levou o teórico a produzir um longo ensaio que encontra na legitimação do indivíduo, feita pelo escritor francês Michel de Montaigne no século das descobertas, o XVI, o ponto de partida para a produção literária, tal como a concebemos hoje em dia. E, como porto de desembarque, a obra capital da literatura ocidental escrita quatro séculos depois desse primeiro passo, a do prosador Franz Kafka, judeu checo que escrevia em alemão e que, a seu ver, inverteu esse "eu" de Montaigne, deixando este com ela, então, de ser um centro estável e passando a instável e disperso.

Entre essa saída e tal chegada, ele mostra como o filósofo alemão Emanuel Kant respondeu ao impasse estabelecido, a partir de Montaigne, de como resolver a questão da verdade, que é coletiva, dentro de uma nova ordem, a individual. Na passagem mais famosa da Terceira crítica, de Kant, o autor encontrou o título para a obra de fôlego que escreveu: Limites da voz (Montaigne, Shlegel, Kafka). Lançado em dois volumes em 1993, este livro, que se tornou um clássico da crítica literária brasileira com reputação internacional, foi reeditado agora, 12 anos depois, num só volume, pela Topbooks (444 pp., R$46).

A Lei, segundo Kafka

No terço final do livro, ao analisar (de forma original e brilhante) a narrativa kafkiana, o ensaísta mostra como o romancista flagrou a obsolescência da resposta de Kant à aplicação da Lei como mecanismo de reconhecimento do sujeito individual na sociedade moderna. Kafka, como aparece na obra em tela, é um ficcionista à frente do tempo em que viveu. Pois, na primeira metade do século passado, foi capaz de perceber que a afirmação do espírito das leis, codificado pelos iluministas, se "desmantelou" e deixou de funcionar em nossos tempos, ditos "modernos". Por isso, deduziu, a obra de Kafka é mais contemporânea nossa, neste século novo, do que dos leitores (e, de certa forma, até dos críticos) de seu tempo. Isso, segundo ele, se deve a uma combinação extraordinária da capacidade que o escritor tinha de compreender os mecanismos políticos com sua sensibilidade religiosa.

O gênio de Kafka não resulta, contudo, conforme Costa Lima, de uma capacidade extra-sensorial de vidente. Ele não foi um profeta, mas, sim, um ficcionista por excelência, tendo a capacidade que teve - e os analistas políticos, econômicos e sociais de seu tempo não tiveram - de perceber as conexões, nem sempre lógicas nem muito menos aparentes, mas sempre muito fortes, existentes entre o aparelho policial, o braço financeiro e a mentalidade religiosa.

Um barco à deriva

Como resumiu o crítico, de forma mais adequada do que o faria este resenhista, a respeito da segunda e da terceira partes de sua obra fundamental na teoria da literatura contemporânea (e não apenas a brasileira, diga-se, pois tem livros publicados em vários línguas): "com Kant, o pensamento da modernidade encontrara um sistema que, a partir do reconhecimento do poder do sujeito individual, concebera a vigência e legitimação de uma certa ordem do mundo; com Kafka, a questão se converte em mostrar que tal ordem já se tornara questionável; que as instituições que ela legitimara já se pareciam a um barco a adernar".

Não há, entre os ficcionistas ocidentais que interessam, sejam eles reconhecidos como grandes ou tenham apenas obtido sucesso comercial - do patrício Kundera ao discípulo Borges; de García Márquez ao desafeto deste, Mario Vargas Llosa; do velho Roth ao maduro Auster; do fascista Céline ao comunista Saramago -, quem não tenha sido passageiro desse barco à deriva que Kafka descreveu.

Lavrado em enciclopédica erudição, o texto de Costa Lima também é atualíssimo em relação ao que vivemos neste momento em que está sendo reeditado no Brasil, onde fazem sucesso os reality-shows na televisão a falsificarem a verdade pela banalização da intimidade. Além de contaminarem o debate político, ditando as normas pelas quais se conduzem as investigações na moda das CPIs, que tentam desfiar o novelo aparentemente infinito da corrupção dos agentes públicos.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde e autor de O silêncio do delator.

Cultura
O ESTADO DE S.PAULO

São Paulo
28/08/2005

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