POESIA EM BUSCA DO SUBLIME E DA PUREZA DA
TERRA
Tríade poética, de Ary Albuquerque
Renato Bittencourt Gomes
Com a exceção de esparsos momentos de cunho social,
os poemas do cearense Ary Albuquerque são uma deliberada busca do
sublime. Seus versos brancos ou rimados configuram uma litania em
louvor dos elementos naturais — o vento, o mar, a chuva, a manhã,
o sol, a luz — uma glorificação do amor e da pureza: “sou natureza,/
amante da vida”. O eu lírico se comporta como um vigia da noite
que, na sua solidão, quando todos os demais estão dormindo, põe-se
a considerar o que vem a ser um mundo presidido por Deus, um panorama
perfeito (ou quase perfeito, não fosse a insensatez dos homens,
raça ingrata), um universo mergulhado em harmonia, posto que as
contemplações do poeta ocorrem nas horas de quietude, em que tudo
é paz.
Eventual nota mais aguda ferindo a paisagem,
seus momentos de preocupação social não são de protesto ou revolta,
mas de pasmo: “Só não entendo ver tanta epidemia e fome”. Nos poemas
de amor, a sensualidade é amena, casta, diáfana (“Sinto-me tocando
suavemente os teus seios/ como se estivesse tocando as estrelas./
Purifico minha alma”).
Visão comovida diante do abismo metafísico
Organizado pelo poeta e romancista José Alcides
Pinto (o torturado autor da Trilogia da maldição, Topbooks), o material
de Albuquerque foi disposto sob três intertítulos: “Ciclo do tempo”,
“Poesia & poesia” e “Diálogo com a memória” — a Tríade que dá título
geral ao volume. Esta distribuição estabelece uma leve diferenciação
temática. Todavia, o poeta Albuquerque é o mesmo ao longo das três
instâncias, do início ao fim. O ritmo, o imaginário e as obsessões
permanecem, assim como permanece a visão comovida. No seu “Antiprefácio”,
Gerardo Mello Mourão adverte que “não há dúvida que se trata de
um poema único, um poème-fleuve , uma frase musical permanente e
única, desenhando a tessitura da cantata na variedade de suas escalas”.
Na primeira parte, estão textos sobre a harmonia
universal das coisas e um ou outro trecho em que revela uma certa
angústia metafísica. Na segunda, cujo nome está como a denotar que
o amor é por excelência o assunto da arte poética, foram reunidos
poemas que enaltecem o amor, a amada sendo uma presença difusa —
não sabemos se é uma ou muitas, não lhe conhecemos o nome ou a cor
dos cabelos. Na terceira parte, acrescentam-se ao repertório peças
marcadas pela memória lírica da infância e seus folguedos, não recuando
diante do recurso de imprimir um acento narrativo aos versos e,
finalmente, o objeto da angústia se concretiza: é o mistério da
solidão, uma condição que assombra o eu lírico que, na sua candura,
não se envergonha em proclamar sua crença em Deus, tampouco em chamar
aos seres humanos de semelhantes.
É notável como o autor não descuida da idéia
de pureza, evocada em várias palavras desse campo semântico (puro,
virtuosa, cristalino). O eu lírico que propõe uma sensualidade pura
e uma concórdia universal não chega a negar-se ao veneno do mundo,
porque o desconhece. Não se trata de uma alma que, como a do organizador
Alcides Pinto, compraz-se num dilaceramento entre a santidade e
o transporte místico, por um lado, e o pecado e a maldição por outro:
o poeta Ary Albuquerque é uma alma serena que trilhou sempre o lado
limpo, inocente, claro. Sua busca não é pela purgação de contradições,
mas sim por abismar-se em êxtase. Com fé, esperança e amor.
Renato B. Gomes é poeta
Caderno Prosa & Verso
O GLOBO
Rio de Janeiro
13/03/2004
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