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CAMINHOS POÉTICOS

Wilson Martins

Em termos de topografia literária, é fácil triangular a poesia de Lêdo Ivo ("Poesia completa 1940-2004". Estudo introdutório de Ivan Junqueira. Rio: TOPBOOKS, 2004), situando-se, por um lado, contra a estética modernista e seus subprodutos dos anos de 1930 e, por outro, contra a chamada Geração de 45 (que também se opunha ao modernismo), enquanto nada tem em comum com o seu contemporâneo João Cabral de Melo Neto, que, tanto quanto ele, apenas por automatismo cronológico situa-se no grupo em que são incluídos. De fato, observa Ivan Junqueira em belo estudo introdutório (no qual se antecipa a muito do que eu mesmo teria a dizer), Lêdo Ivo, visto como "principal fundador e mais legítimo representante da Geração de 45", encontrou a poesia brasileira como "terra desolada... em esgotamento de matrizes literárias".

Como sempre acontece, a Geração de 45 existiu na obra de alguns poucos poetas paulistas, nomeadamente Péricles Eugênio da Silva Ramos e Domingos Carvalho da Silva, criador da denominação e editor durante muitos anos da "Revista Brasileira de Poesia", primeiro em São Paulo, depois em Brasília. Sem lembrar esses nomes, Ivan Junqueira destaca, ao lado de Lêdo Ivo, dois outros poetas igualmente alheios ao que se entende por essa escola, João Cabral e Ferreira Gullar, com os quais, por sua vez, Lêdo Ivo não terá qualquer consangüinidade. Este último, escreve ainda Ivan Junqueira, é um lírico elegíaco, "ao passo que o autor de 'Morte e vida severina' seria um realista antilírico".

Basta isso para marcar a intransponível distância que os separa, tudo concorrendo para configurar-lhe a excepcional estatura entre os seus contemporâneos: sua poesia não atende "às exigências formalistas - e, muito menos, doutrinárias - do ideário da Geração de 45, cujos pressupostos estéticos nos remetem à necessidade de retorno aos cânones de um certo e mitigado classicismo, de resgate das formas fixas e das medidas métrico-rímicas... e até mesmo de recuperação de um comportamento que seria antes apolíneo do que dionisíaco" (palavras, ainda, de Ivan Junqueira).

Acrescente-se que, se houve grupo de poetas sem o menor senso de ironia (e, muito menos, de humor) foi bem o de 45, cuja solenidade oracular cansava pelo laborioso artifício, além de contradizer-lhe o princípio de retorno à retórica clássica, feita de clareza e precisão. Quanto a Lêdo Ivo, é, antes de mais nada, poeta de veia irônica altamente desenvolvida, como neste epigrama intitulado "A Geração de 45": "Em 45/ éramos uma legião./ Hoje sou, sozinho,/ e ao que antes fui/ - se é que fui quando era/ a minha quimera - digo sempre não". Ou este outro, para desmistificar os poetas, grandes e pequenos, mais cheios de si mesmos que de poesia: "Qual o melhor lugar/ para escrever um poema?/ Na Capela Sixtina?/ Na Muralha da China?/ À beira da piscina?/ Entre aves de rapina?/ Escutando a turbina/ do jato na neblina?/ Vendo uma vagina/ um campo de boninas?/ Ou, como um rei, sentado,/ na plácida latrina?" ("O lugar mais indicado").

Igualmente à vontade no epigrama, no soneto (que recuperou para a nossa poesia moderna) e nas composições mais breves, ele é, substancialmente, poeta dos versos amplos, das elegias e da meditação sobre a vida e a morte, sobre a transitoriedade do permanente, sobre o amor e as civilizações, e, notadamente, sobre Deus ou a idéia de Deus, entidade que o preocupa com insistência, para além das religiões e das crenças. A poesia também consiste em tomar respostas possíveis para perguntas irrespondíveis, tudo resumido, há séculos, pelo torturado Pascal: "É impossível que Deus exista; é impossível que Deus não exista". Daí a busca incessante, expressa no poema que tem esse título: "Ainda não desisti de encontrar Deus./ Desconfio que o gavião o esconde em suas asas/ e os sonhos o abrigam nas dobras de sua oculta sabedoria. (...) Deus passeia incólume entre as constelações".

Já na sua estréia, em 1944, lembra Ivan Junqueira, ele se apresentava com "uma poesia desmedida, torrencial e de ritmos quase bíblicos. Estamos no reino das 'imaginações', respiração elegíaca de Rilke, ao surrealismo de Murilo Mendes e ao lirismo coloquial daquelas esplêndidas 'Cinco elegias' que Vinícius de Moraes escreveu em 1943". De minha parte, vejo Murilo Mendes como fronteiriço entre a poesia de 1922 e a de 1930, retardatário temporão do surrealismo (francês) de 1924, mas não é isso o que importa no momento. Lêdo Ivo "deve ser compreendido, também, à luz do excesso, de uma prestidigitação retórica e de uma linguagem encantatória que são apenas singularmente suas" (Ivan Junqueira). Ele reintroduziu a emoção na poesia brasileira, àquela altura ressecada, seja pelo pitoresco modernista, seja pelos exercícios professorais que vieram em seguida, é verdade que com as restaurações compensatórias de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Em entrevista a Ricardo Vieira Lima ("Poesia para todos", nº 6, set. 2004), ele acentuava que o "encantamento, esse sortilégio verbal", o acompanha desde os primeiros livros.

Nesse quadro, João Cabral (rigorosamente contemporâneo na história editorial) foi um verdadeiro corpo estranho, como ele próprio não só reconhecia mas reivindicava, sem afinidades sensíveis com Lêdo Ivo nem com Carlos Drummond: não era um solitário mas uma aberração na linha evolutiva, enquanto Lêdo Ivo situou-se também à parte por se distinguir da mediocridade reinante e dos automatismos da moda. Simples coincidência ou propósito deliberado, esses milhares de páginas encerram-se com o testamento de Orfeu: "Não quero a eternidade,/ a trama interminável/ de uma roca que fia/ um dia após um dia/ na duração perpétua./ Quero ser o que passa:/ a leve nuvem branca/ que se desfaz no espaço,/ a fumaça de um jato/ no céu vazio e claro. (...) Prefiro um vôo de pássaro/ a tudo o que é eterno./ A tudo que é durável/ prefiro o perecível (...). Recuso-me a durar/ e a permanecer./ Nasci para não ser/ e ser o que não é/ após tanto sonhar/ e após tanto viver".

É poeta para quem o mundo exterior existe, não apenas a pequena pátria alagoana, mas também os seres e as coisas, países e civilizações, tudo no universo da língua portuguesa que é a sua pátria espiritual.

Caderno Prosa & Verso
O GLOBO

Rio de Janeiro
13/11/2004

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