50 ANOS DE BRASIL
Sebastião Nery
Virgilio de Mello Franco, Adauto Cardoso, Austregésilo
de Athayde e Rafael Correia de Oliveira estavam presos no quartel
da Polícia Militar da Rua Frei Caneca, no Rio, no fim de
1943, por terem lançado o "Manifesto dos Mineiros"
(24 de outubro de 1943) contra a ditadura Vargas. Afonso Arinos
precisava passar uma mensagem para o irmão, incomunicável,
proibido de receber visitas. Mandou Afonso Arinos, filho, então
com 13 anos. Foi entrando, ninguém o interpelou, encontrou
o tio numa cela, com os outros. Chegou um soldado e informou a Virgilio
que o chefe da Polícia Federal estava de visita ao quartel
e queria sua presença.
Respondeu:
"Diga ao chefe da Polícia
que, se eu for vê-lo, será para enfiar-lhe a mão
na cara e mandá-lo à puta que o pariu". O chefe
da Polícia dispensou a conversa. Em 48, mataram Virgilio.
Lacerda e Arinos
Telegrama de Carlos Lacerda, governador da Guanabara
pela UDN, a Afonso Arinos, senador da UDN pela Guanabara, porque
Arinos apoiou a posse de João Goulart na presidência,
depois da renúncia de Jânio Quadros:
"Não penso viajar no momento, como
lhe parece. Em todo caso, nunca antes de ver pela última
vez a cara da vaidade mórbida que leva um tipo à traição
e à ignomínia – Carlos Lacerda". Telegrama
de Afonso Arinos a Carlos Lacerda, respondendo na hora:
"Não fiz qualquer referência
a sua pessoa, de quem não me lembro há muito tempo.
Aliás, viagens seriam inúteis, pois, embora sempre
fujão, você nunca poderá fugir de si mesmo e
este é o seu castigo – Afonso Arinos".
Dois rapazes elegantes.
Nelson e Helio
Nelson Rodrigues telefonou para a casa de Oto
Lara Rezende, na Gávea, no Rio, na manhã de 11 de
novembro de 55, quando os generais Lott e Denys puseram as tropas
na rua e derrubaram Carlos Luz, presidente da Câmara que havia
assumido a presidência da República enquanto Café
Filho se internara em hospital, numa jogada para impedirem a posse
de JK, eleito.
Quem atendeu o telefone foi Helio Pelegrino,
amigo de Otto e Nelson. Helio começou a xingar os "generais
golpistas". Nelson lhe recomendou prudência, pois falava
da casa do genro de um político influente (deputado Israel
Pinheiro, do PSD de Minas) e o telefone bem poderia estar censurado.
Helio começou a desafiar o censor imaginário,
dando seu nome, profissão e endereço. Nelson emendou:
"Isso mesmo, Helio! A gente deve assumir as próprias
opiniões e enfrentar as conseqüências. Eu tambem
arrosto qualquer ameaça, senhor censor! Me chamo Djalma de
Souza, moro na Rua do Riachuelo!"
Vinicius e Helenice
Vinicius de Morais, "sempre em lua-de-mel",
no começo dos anos 50, sentava-se na mesma sala do Itamaraty,
no Rio, em que também era diplomata o jovem e solteiro Afonso
Arinos, filho. Saíam juntos do trabalho para a peregrinação
pelos bares de Copacabana. Mas antes passavam pela redação
da "Última Hora", onde Vinicius deixava sua crônica
diária. Lá, recebia pilhas de cartas. Arinos perguntou
ao amigo se era tudo repercussão da coluna.
- "Flan", semanário da "Última
Hora", tem um Consultório Sentimental.
- Eu sei. Assinado por Helenice.
- Helenice sou eu. Esse monte de cartas se deve
ao fato de Helenice ter anunciado uma receita infalível contra
a queda dos cabelos.
Anos Dourados
Essas histórias, e dezenas de outras,
estão em um livro-documento imperdível, que o escritor,
acadêmico e embaixador aposentado Afonso Arinos, filho lançou
na semana passada na Academia Brasileira de Letras: "Mirante"
(Topbooks).
É uma galeria primorosa, corajosa, às
vezes dolorosa, de perfis que começam nos Anos Dourados no
Rio de Janeiro, e testemunham sua convivência com alguns dos
mais influentes personagens da política, da cultura e da
religião no Brasil e no mundo, no último meio século:
de Vinicius de Morais a Celso Furtado, de Dom Helder Câmara
a Bento XVI.
Estão lá, de corpo e alma inteiros,
entre tantos, o pai Afonso Arinos, o tio Virgilio de Melo Franco,
Getulio Vargas, Osvaldo Aranha, Fidel Castro, George Bernanos, Carlos
Lacerda, João Cabral, Antonio Maria; os quatro mineiros do
Apocalipse: Otto Lara, Helio Pelegrino, Paulo Mendes Campos e Fernando
Sabino; Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Afrânio Coutinho,
Guimarães Rosa, Pedro Nava, Carlos Drummond, Rubem Braga,
Carlos Castelo Branco, San Tiago Dantas, Sergio Buarque de Holanda,
Evandro Lins.
Itamaraty
No Itamaraty se diz que nascer Rio Branco é
um ato administrativo perfeito. Melo Franco também, desde
o Império: o bisavô Virgilio, o avô Afrânio,
o pai Afonso, os tios Virgilio e Caio, ele embaixador na Bolívia,
Venezuela, Holanda e Vaticano. A principal parte do livro é
a análise brilhante, forte, sobre a política externa
do País, a partir da virada para uma "política
independente", comandada por Afonso Arinos no governo Jânio.
TRIBUNA DA IMPRENSA
10/04/07
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