ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE
SÃO PAULO / 17ª Legislatura
São Paulo, 22 de Outubro de 2013
Caso da madre torturada pela ditadura militar é relembrado
pela Comissão da Verdade
Religiosa foi acusada injustamente de subversão e sofreu
abusos na Oban
Da Redação: Sillene Coquetti / Fotos: Roberto Navarro
Reunião da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva,
na Assembleia Legislativa de SP
A Comissão Estadual da Verdade Rubens
Paiva abordou nesta segunda-feira, 21.10.2013, o caso da madre Maurina
Borges da Silveira, torturada e estuprada dentro da Operação
Bandeirantes (Oban). Acusada de subversão por envolvimento
com a Força Armada de Libertação Nacional (Faln),
Maurina foi levada do Lar Santana, em Ribeirão Preto - orfanato
no qual atuava como madre superiora - para o Departamento Estadual
de Ordem Política e Social (Dops), na capital paulista, em
1969.
(...) A madre teria sido acusada injustamente.
Quando, no início da década de 1960, chegou para coordenar
o orfanato, um grupo de jovens usava uma das salas, mas a madre
não sabia o objetivo dos encontros. Quando se deu golpe,
e os jovens que se reuniam foram presos, a madre foi à sala
e encontrou diversos documentos com nomes, fotografias e jornais.
Ela teria solicitado ao jardineiro que queimasse todos os papéis.
Junto com os documentos havia uma pasta em bom estado que, vazia,
foi dada ao jardineiro. Ao sair do orfanato, o funcionário
foi questionado pela polícia acerca da origem da pasta e,
sob tortura, contou que a havia ganhado da madre. Então levaram
presa a religiosa, sob a acusação de subversão.
Plano de desmoralização
Apesar de Maurina não ter aparentemente
envolvimento com nenhuma organização, ainda havia
o questionamento do motivo de o nome da madre constar na lista de
presos políticos a serem trocados pelo cônsul japonês
Nobuo Okuchi, sequestrado pelo movimento esquerdista Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR).
Segundo a jornalista e escritora Denise Assis,
autora do livro Imaculada (Topbooks), ao questionar
dom Paulo Evaristo Arns sobre o assunto, ele afirmou que tudo não
passou de um plano do governo para desmoralizar a Igreja Católica,
uma vez que os próprios militares colocaram o nome de Maurina
na lista. A intenção era justificar ações
contra membros do clero. (...)
Tortura e estupro
Ao ser presa em Ribeirão Preto e transferida
para o Dops de S. Paulo, Maurina passou por sessões diárias
de tortura, com a finalidade de fazê-la entregar esquemas
de operação, que ela desconhecia. Sua companheira
de cela, a militante e comunista declarada Áurea Morete,
afirmou que um dia, após sessão de tortura, um militar
abriu a porta de sua cela levando a madre e perguntou se se conheciam.
Elas negaram, pois de fato era a primeira vez que se viam.
Mais tarde, a madre foi levada novamente à
cela, dessa vez cheia de hematomas provenientes de tortura. "Eu
preferia estar lá dentro sendo torturada a ouvir as outras
mulheres gritando de dor com as torturas", afirmou Áurea.
Ela relatou ainda que era espancada diariamente e tripudiada por
ser mulher. "Mulher é para transar com o marido, criar
os filhos e cuidar da casa, e não para se intrometer na política.
Por conta disso vão apanhar", destacou.
A militante garantiu que a irmã Maurina
sofria diversos assédios por parte dos militares e que, em
uma madrugada, um militar retirou a madre da cela. Ao retornar,
"ela estava com as roupas descompostas e chorando desesperada".
Segundo informações, o capitão Dalmo Luiz Cirilo
estuprou a madre naquela ocasião. Na época, o bispo
da região excomungou dois dos torturadores da madre.
Confirmação do abuso
Áurea Morete e Denise Assis na Comissão Estadual da Verdade
Rubens Paiva, em S. Paulo
Assim como o irmão de Maurina, frei Manoel
da Silveira, muitos não acreditam na possibilidade de a madre
ter sido estuprada. "Agradou-me muito ouvir a todos, tudo foi
bem explanado, mas eu estive depois com Maurina e não acredito
que ela tenha sido estuprada", defendeu Manoel. No entanto,
a jornalista Denise Assis afirmou que, em telefonema, a madre confirmou
o estupro.
“ Em nome das mulheres deste país
que lutaram pela liberdade sexual, peço que responda não
apenas a uma jornalista, mas sim para toda uma sociedade, até
onde chegou a ditadura no desrespeito a valores e crenças.
A senhora foi estuprada e, por consequência, engravidou? Ela
me respondeu: ‘Isso aconteceu, mas eu pedi muito a Deus que
não houvesse consequência’. Ela me confirmou
o estupro, mas não a gravidez” – relatou a autora
de Imaculada.
Ainda segundo Denise Assis, a madre solicitou
seu retorno do exílio no México, mas por diversas
vezes teve seu caso protelado. A história chegou ao presidente
Geisel, que optou por manter o exílio. A religiosa permaneceu
no México até a promulgação da Lei da
Anistia, em 1979.
Tratamento por gênero
O representante da Comissão Nacional da
Verdade responsável pelo núcleo das igrejas, Anivaldo
Padilha, afirmou ter sido preso com militantes de Ribeirão
Preto, e ficou emocionado ao saber que seus algozes foram os mesmos
que torturaram a madre Maurina.
Denise Assis, autora do romance Imaculada,
se emocionou muito ao falar sobre madre Maurina
Para ele, a ditadura tratou de forma diferente
homens e mulheres, assim como a instituição Igreja
Católica trata de forma inferiorizada a mulher. "Ao
recuperarmos a verdade, teremos justiça, e a partir disso
espero que as igrejas olhem de maneira mais consciente o gênero
feminino, pois a discriminação sempre teve justificativa
religiosa", concluiu.
O mesmo pôde ser notado na fala do frei
João Xerri. Ele relatou que o caso da morte do frei Tito
teve muito mais repercussão do que o da madre Maurina –
no seu entendimento, pelo fato de ela ser mulher. "A comissão
deve estabelecer a verdade para que possamos corrigir nossos rumos,
pois alguns erros são feitos por tradição.
A paixão de Cristo foi reportada por mulheres, e graças
às mulheres que falaram aqui, hoje, a história da
madre está sendo lembrada".
O presidente da comissão, deputado Adriano
Diogo (PT), afirmou que o novo procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, falou em possível reforma da Lei da Anistia.
Mas, em seguida, lamentou: "Infelizmente, o Brasil não
quer a justiça".
O parlamentar explicou que a comissão
tem três partes: a memória, a verdade e a justiça.
"Chegamos à metade dos trabalhos da comissão
e ainda estamos na parte da memória".
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