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UM ENSAÍSMO QUE CIRCULA COM O JORNAL

Ivo Barroso

Já se tornou chavão do saudosismo literário a referência aos rodapés críticos de outrora, que serviam de aferição incontestável do valor ou demérito das obras literárias que saíam a lume. Nomes de respeito como os de Álvaro Lins, Tristão de Ataíde, Antônio Candido são frequentemente citados como espécimes extintos de uma atividade que teria hoje perdido sua dignidade de opinião e seu poder de oráculo. E as cassandras do ontem contrapõem a isso as atuais resenhas, meramente informativas e/ou adulatórias, em que se trocam favores entre pares e incensamentos a editoras de prestígio. Por isso, a crítica resenhística, que se pretende isenta e analítica, acaba se tornando um risco, já que “as ideias do escritor enfrentam as amizades, o mercado editorial, as preferências da redação e, por fim, a brevidade da forma e a ligeireza da linguagem”.

Quem nos adverte a esse respeito é precisamente o poeta e crítico literário Felipe Fortuna, em seu livro Esta poesia e mais outra, todo ele composto de resenhas que escreveu para suplementos literários nestes últimos anos. E é com admirada satisfação que o leitor constata ter ele conseguido em suas apreciações passar ao largo daqueles obstáculos e analisar, de maneira factual e quase científica, os trabalhos sobre os quais se detém, principalmente os poéticos, que são os mais permeáveis aos equívocos pela dificuldade de se estabelecer critérios válidos para a sua aferição.

Felipe Fortuna, que embora diplomata de carreira não usa punhos de renda em seus julgamentos literários, coloca-se desta forma na contracorrente da informação bajulatória. Alguns de seus approaches já haviam causado desconforto mesmo antes de saírem em livro, quando ainda na efemeridade dos jornais. É que ele não se esquiva de abordar, com citações documentadas, as deidades acadêmicas ou silogísticas do nosso tempo, e de apontar suas incongruências, equívocos e a fragilidade ou sensaboria de seus versos. Não que tenha parti pris em relação a escolas ou vanguardas ou que use seus comentários propositadamente para denegrir esta ou aquela reputação consagrada ou tendência do dia. As análises são todas desenvolvidas no anfiteatro dos livros abertos, na exposição das vísceras tipográficas, numa verdadeira autópsia a escalpelo, como no quadro de Rembrandt.

Quando Fortuna analisa e comenta, por exemplo, as incongruências da revista internética “Modo de usar & Co.” (p. 17-28) e cita alguns de seus versos “de extenso prosaísmo” como “no Brasil, os deputados se reuniam/ para dividir a pizza da corrupção que assola o país” — não há como discordarmos dele, principalmente quanto àquela definição. Nem quando acha “risíveis” certas “metáforas sexuais” ou o registro pretensamente solene mas de “dimensão kitsch” no tratamento de épicos greco-romanos. Sabemos o perigo da citação de frases soltas em poemas, e todo poeta, por mais realizado, pode apresentar alguma frouxidão ou prosaísmo quando sujeito a uma dessas pinçagens.

Mas o livro não se limita, de modo algum, a uma cata de lixo poético, ainda que textualizado numa amplitude espectral. Há nele outras preocupações críticas mais abrangentes. No capítulo “Inconsciente, espiritualidade e catástrofe”, o crítico-resenhista procura arrancar de um injusto esquecimento a poesia solitária de Murilo Mendes, “complexamente multifacetada, com mecanismos que ora geram imagens católicas, ora estridentes versos de visionário, ora demarcam um discurso crítico e lúcido”. Depois de passar por várias casas e peças acadêmicas, Fortuna enfrenta o “time estrangeiro” e fala, por exemplo, sobre Louise Labé, a enigmática poetisa francesa do século XVI, cuja obra ele próprio traduziu, conservando a estrutura sáfica (4-8-10) do original. E (com base em sua intuição poética) toma partido contrário à tese de Mireille Huchon, que nega a existência física de Louise, chamando-a “criatura de papel”. Uma completa revisão das concepções de Hugo Friederich, a entrevista pessoal com Michael Hamburger, a solércia de Philipe Sollers são outros capítulos em que Fortuna demonstra sua perspicácia de leitor que procurava ir ao fundo de suas leituras.

Creditado às curiosidades do livro está o cotejo entre as palavras e o sentido de “Coração materno”, a canção dramática cantada por Vicente Celestino em 1937, e o poema de Jean Richepin, escrito em 1881 (e, acrescentamos, traduzido com requinte por Guilherme de Almeida em publicação de 1936). Pesquisador de recursos internacionais, Fortuna não se satisfaz com esta simples comparação consabida, mas faz entrar em cena o compositor francês Charles Gounod, que em 1883 resolveu musicar a canção de Richepin. Depois encontra a versão húngara desta poesia feita por Jósef Kiss em 1891, e a do poeta russo Dmitri Kedrin em 1935 — analisando as variantes surgidas entre elas. A análise evolui até os nossos dias e chega à interpretação tropicalista de Caetano Veloso — num passeio de pesquisa e bom humor.

A propósito de humor — uma clave recorrente deste livro — Fortuna alcança o seu melhor desempenho em “Stoppard! C’est magique”, uma espécie de encenação surrealista a propósito da então esperada vinda do dramaturgo inglês de origem tcheca Tom Stoppard à Festa Literária Internacional de Paraty. Cena em ato único na qual intervêm as dramatis personae dos editores eruditos José Mário Pereira e Pedro Paulo de Sena Madureira. Em meio à conversa esnobe desses dois, em que cada qual quer demonstrar seu conhecimento mais profundo da “desconhecida” obra de Stoppard, surgem Gerald Thomas (“pendurado no candelabro do Real Gabinete Português de Leitura, envolto em fumaça e em pose de Fantasma da Ópera”); Verissimo (que “encosta o saxofone na parede, senta-se diante de uma mesa e começa a desenhar as Cobras”) e Millôr (“lendo ‘Satyricon’ no restaurante do mesmo nome!”). Aqui a verve gozativa iguala a pesquisa bibliográfica.

Jair Ferreira dos Santos, professor de seminários de criação literária, já havia apontado a inexpressividade com que Fortuna intitula seus livros. Com razão: “Esta poesia e mais outra” não representa o que há de erudição espirituosa neste volume.

IVO BARROSO é crítico e poeta.

caderno Prosa & Verso
O GLOBO
21/05/2011

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