O HOMEM QUE INVENTOU A GLOBO CONTA A SUA
HISTÓRIA
O americano Joe Wallach relata em livro, pela
primeira vez, como
construiu em 15 anos a rede de televisão campeã de
audiência do Brasil
Roberto Muggiati, especial para a Gazeta do Povo
Quem seria capaz de juntar numa longa e demorada
fila celebridades como Boni, Tony Ramos, Betty Faria, Daniel Filho,
Tarcísio Meira, Rosamaria Murtinho, Mauro Mendonça,
Ilka Soares, Hans Donner, os banqueiros Carlos Alberto Vieira e
toda uma legião de VIPs? Joe Wallach conseguiu esse feito
na noite de autógrafos do seu livro Meu Capítulo na
TV Globo (Topbooks).
Poucas horas antes do lançamento, ele
detalha episódios da autobiografia numa suíte do Hotel
Fasano que reservou especialmente para entrevistas. Às vésperas
dos 88 anos de idade, Joe senta-se de frente para a orla de Ipanema,
cartão-postal da cidade onde ele enfrentou, durante 15 anos,
a grande aventura de sua vida. Em agosto de 1965, ele chegava ao
Rio como enviado da Time-Life para acertar os ponteiros da parceria
do grupo americano com as organizações Globo. “Foi
uma verdadeira guerra, mais dura para mim do que aquela na Floresta
das Ardenas, em 1944”.
Neto de judeus russos, nascido em Nova York,
Joe Wallach trabalhou desde cedo na lavanderia dos pais, numa sorveteria,
numa gráfica, enquanto estudava contabilidade numa faculdade
pública. Aos 19 anos, foi convocado para a infantaria americana,
que o mandou no inverno de 1944-45 para o inferno dos campos de
batalha na Bélgica. Ferido em janeiro de 1945, passou a desempenhar
funções fora de combate e, ao término da guerra,
conheceu em Grenoble uma polonesa, Maryla Dytkowska, com quem se
casou em Paris em 1946.
Depois de algumas mudanças de cidade e
de emprego, foi parar em San Diego e começou a trabalhar
numa pequena tevê, onde a garota do tempo era Raquel Tejada,
depois superfamosa com o nome de Raquel Welch. O Canal 10 de San
Diego foi comprado pela Time-Life em 1962, e o grupo o convidou
para trabalhar no Brasil em 1965. Ele concordou – achando
que seria bom para a família – mas sob a condição
de só ficar um ano fora do seu país. Joe não
podia sequer desconfiar que só voltaria para os EUA em 1980,
depois de ter ajudado a fazer da Rede Globo uma das maiores potências
televisivas do mundo. Não foi um trabalho fácil, foi
mesmo uma guerra, como Joe a definiu. “Eu e Roberto Marinho
nos comunicávamos em francês, não conhecia nada
de português. Nas reuniões todos falavam a língua
da terra, eu fazia cara de inteligente, mas não captava a
maior parte do que era dito. Chegava tarde da noite ao meu pequeno
apartamento e estudava português num livro de gramática,
que me ensinou razoavelmente a língua”, relembra.
Aos poucos, estudando a grade de programação
da tevê e acompanhando os índices de audiência,
Joe Wallach tentou entender por que a Globo era a última
colocada. Enquanto as outras estações levavam ao ar
programas e novelas produzidos aqui, a Globo passava filmes americanos
que não sensibilizavam o público brasileiro. En¬-quanto
agilizava a área da contabilidade, Joe cancelava também
contratos caros com a CBS e a Screen Gems que não traziam
retorno algum de audiência. Mobilizava também a parte
técnica, aprimorando o equipamento da emissora. Como disse
José Bonifácio de Oliveira, o Boni, “sem o Joe
Wallach teria sido impossível fazer a rede Globo. Ele nos
ensinou a ter o pé no chão e participou ativamente
da modelagem de todas as áreas. Foi o meu grande parceiro”.
Política
Dois inimigos políticos do dr. Roberto
Marinho, o governador Carlos Lacerda e o chefão dos Diários
Associados, Assis Chateaubriand, encontraram no acordo Globo/Time-Life
um pretexto para atingir as organizações Globo. Joe
Wallach teve de depor durante cinco horas diante de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito em Brasília. Na época,
era acusado de ser agente da CIA e recebia telefonemas com ameaças
de morte.
Duas pessoas foram fundamentais para a escalada
da TV Globo, segundo Joe: Boni e Walter Clark. O folclore da imprensa
batizou a dupla de Boni & Clark, em alusão ao megassucesso
cinematográfico da época, Bonnie and Clyde, com Faye
Dunaway e Warren Beatty. No capítulo do livro intitulado
“A queda de Walter Clark”, Joe descreve com verve e
uma ponta de afeto a personalidade de Clark. Fala da amizade entre
o doutor Roberto e a “femme fatale” Regina Rosemburgo.
Um dia, Marinho pediu a Clark que desse uma volta
com Regina pelas instalações da tevê. Numa viagem
a Nova York, Walter decide acabar o casamento com Ilka Soares. Em
Paris, Regina conhece um rico francês, Gérard Léclery,
com quem se casa. Comenta Joe no livro: “Demorou para que
Walter se recuperasse do baque. Algum tempo depois eu saía
do An¬¬tonio’s quando me deparei com Regina na rua.
Sua primeira pergunta foi: ‘Como vai o Roberto Marinho?’
Não foi: ‘Como vai o Walter?’ Seu interesse era
no Dr. Roberto”.
Independência
Em 1971, Joe Wallach obteve a cidadania brasileira.
Nesse mesmo ano garantiu a independência da Globo, aconselhando
Ro¬¬berto Marinho a romper o acordo com a Time-Life e a
ressarci-la pelos investimentos feitos no Brasil. Em 1980, voltou
aos Estados Unidos e passou a dedicar-se à família.
Uma de suas filhas é casada com o músico brasileiro
Oscar Castro Neves. Divorciado da polonesa, depois de 15 anos de
solteirice casou-se com Doreen, sua mulher até hoje. Tornou-se
consultor da Rede Globo na Telemontecarlo e em 1990 voltou ao Brasil
para participar com Boni da criação da Globosat.
Leituras, longas caminhadas, estudos de história
universal – antiga e moderna – e viagens pelas paragens
mais exóticas da Terra preenchem a vida atual de Joe Wallach.
E, é claro, visitas regulares ao Brasil, país que
ele ajudou a transformar – em todos sentidos – numa
autêntica “aldeia global”.
Publicado no Caderno G da Gazeta do Povo
(SC) em 06.09.2011
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