LIVRO SOBRE LULA ABORDA ''HOMEM ATRÁS
DO MITO''
Para Nêumanne Pinto, autor de O que
sei de Lula, ex-presidente é o maior
político brasileiro e nunca foi de esquerda; obra será
lançada amanhã no Rio
José Maria Mayrink
Resistiu a participar do sindicato, foi contra a aliança
de trabalhadores com estudantes, menosprezou o apoio da Igreja Católica,
resistiu à campanha Diretas-Já, vetou a colaboração
do PT com o governo Itamar Franco, boicotou a Constituinte de 1988,
criticou o Plano Real e considerou “herança maldita”
os avanços sociais de Fernando Henrique Cardoso, seu predecessor.
Quem construiu esse perfil, antes de chegar à Presidência
da República e deixar o poder, ao fim de oito anos de mandato,
com mais de 80% de aprovação popular, só pode
ser considerado um conservador e é essa a avaliação
do jornalista José Nêumanne Pinto no livro O que
sei de Lula (Topbooks, 522 pgs., R$ 69), no qual chega a uma
conclusão, no mínimo, surpreendente: “Lula nunca
foi de esquerda”.
Repórter, editor de política, escritor
e, atualmente, articulista de O Estado de S. Paulo, com mais
de 40 anos de profissão, Nêumanne conta, com conhecimento
de causa e informações privilegiadas, a história
de Luiz Inácio Lula da Silva – a ascensão admirável
do menino retirante que fugiu do sertão pernambucano, do
operário metalúrgico do ABC paulista, do militante
sindical que ajudou a derrubar a ditadura militar e do três
vezes candidato a presidente e depois titular do Palácio
do Planalto. Paraibano de Uiraúna, cidade natal também
da deputada Luíza Erundina, ele sabe o que custou a trajetória
daquele que é, em sua opinião, o maior político
brasileiro de todos os tempos.
“Meu objetivo, ao escrever esse livro,
foi descobrir o homem atrás do mito”, revela Nêumanne,
um pesquisador incansável que consultou biografias, conferiu
entrevistas, ouviu testemunhas e revirou lembranças de seus
tempos de repórter, para contar os bastidores da carreira
de Lula, um personagem fascinante que ele pretende ter analisado
com isenção e justiça, apesar da opinião
contrária daqueles que não deverão perdoá-lo
por estar contando o que sabe. “Os áulicos de Lula
certamente encontrarão na revelação desses
incidentes motivos para execrar esse livro, da mesma forma que já
condenam o autor, mas não mudarão o fato inexorável
de que, como ele mesmo narrou, delatou camaradas menos aptos para
levar vantagem pessoal pecuniária no princípio de
sua vida profissional”, prevê Nêumanne.
Há revelações inéditas,
fatos inconfessáveis, conclusões incômodas.
“Descobri que Lula, filho de um canalha e uma santa, um sujeito
de sorte cavalar, consegue construir em cima dos equívocos,
não dos acertos”, afirma Nêumanne, ao explicar
que, apesar de falhas e defeitos, seu protagonista se tornou um
“fenômeno fantástico de popularidade porque as
pessoas se identificam com ele”. O jornalista lembra que Lula
recebeu Leonel Brizola com hostilidade quando o político
gaúcho voltou do exílio e que nunca negou sua admiração
pelo governo do general Ernesto Geisel. Quem organizou a greve dos
metalúrgicos do ABC, acrescenta Nêumanne, foi Frei
Betto e não Lula – uma afirmação que
o frade dominicano considera exagerada.
Amigos e companheiros de luta do operário-presidente
poderão discordar, mas será difícil rebater
o autor. “Poucas pessoas armazenaram tanta informação
sobre a política brasileira”, observa na Apresentação
do livro o professor Leôncio Martins Rodrigues, lembrando
que, “mais do que simples repórter, descobridor e narrador
de fatos, Nêumanne é um analista capaz de aprofundar
e conectar os eventos particulares a situações mais
gerais, às teorias e interpretações sobre o
Brasil”. Os fatos narrados, acrescenta o cientista político,
são fatos que Nêumanne viveu. O autor conhece os personagens
e, em alguns casos, esteve presente na cena dos acontecimentos que
narra.
Paralelamente à biografia de Lula, em
parte baseada em obras de outros biógrafos, como Denise Paraná
e Audálio Dantas, além de entrevistas do próprio
biografado, Nêumanne rememora o cenário da política
e a atuação de políticos brasileiros no contexto
das últimas décadas, da ditadura de Getúlio
Vargas aos primeiros meses de governo de Dilma Rousseff. A construção
de Brasília, o golpe de 1964, o quadro econômico e
as denúncias de corrupção ocupam páginas
de análise lúcida e competente. Os assassinatos de
petistas ligados a Lula, como Celso Daniel no ABC e Toninho (Antônio
da Costa Santos) em Campinas, são tratados com apurada técnica
de reportagem. Outro destaque é o perfil que o autor traça
de personagens como José Alencar, Duda Mendonça e
José Dirceu.
Nêumanne dá a Lula o título
de “perdoador-geral” dos escândalos que estouraram
em sua administração e chama o assessor especial Marco
Aurélio Garcia de “bajulador-geral” da República.
“Quem conhece Lula – como eu conheço –
sabe muito bem que ele não mudou tanto assim desde que emergiu
no país como líder dos sindicalistas do ABC paulista
até seus dias de apogeu no poder republicano”, afirma
o jornalista, ao criticar a política externa adotada pelo
ex-presidente com relação a Cuba e ao Irã,
com assessoria de Garcia e do ex-chanceler Celso Amorim. Embora
considere seu texto imparcial, Nêumanne não resiste
à ironia, ao lembrar a formação de poucos estudos
de Lula. “Noço guia universal”, escreve
o jornalista, referindo-se ao ex-presidente.
Dilma Rousseff, na qual Lula apostou seu futuro,
abrindo mão de uma eventual e provável reeleição,
é a personagem central no Epílogo. Um atraso na publicação
do livro, que deveria ter sido lançado em dezembro –
após a eleição de Dilma, mas antes de Lula
descer a rampa do Planalto – acabou dando melhor fecho à
história. O que parecia mais especulação ganhou
consistência ao se completarem seis meses de governo. Ao registrar
mudanças de rumos, ou pelo menos de estilo, na administração
federal, Nêumanne transcreve os elogios que Dilma fez a Fernando
Henrique na comemoração dos 80 anos do ex-presidente,
a quem definiu como “acadêmico inovador” e “político
habilidoso”, sem mais referência à “herança
maldita” da qual Lula falava na campanha eleitoral.
O ESTADO DE S.PAULO
16/08/2011
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