INCÊNDIOS TOMAM CONTA DE MIM
O vice-presidente da República, Michel
Temer, estreia na poesia
O vice-presidente da República estreia
na poesia com "Anônima Intimidade", que sai nesta
semana, pela Topbooks (165 págs., R$ 39). "Escrevi estes
escritos para mim", diz.
Desenho de Ciro Fernandes para o livro
"Anônima Intimidade", do vice-presidente
da República E o fez, conta, em guardanapos de papel
durante viagens aéreas entre Brasília e São
Paulo. "Deixava a arena árida da política legislativa
e me entregava, durante o voo, a pensamentos".
No livro, adverte para o caráter ficcional
de seus versos, que tematizam recordações de infância
e juventude, reflexões metalinguísticas e existenciais
e homenagens à figura feminina.
Em sua introdução, Temer agradece
aos amigos o impulso para tirar a obra do âmbito íntimo
– em especial a Carlos Ayres Britto, autor do prefácio.
"Numa frase", escreve o ex-presidente
do STF, "esse Michel Temer sobre quem discorro é o homem
maduro que, liricamente, ainda porta consigo os sonhos de sua meninice
e juventude". O livro será lançado em São
Paulo no dia 31, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.
EXPOSIÇÃO
Escrever é expor-se.
Revelar sua capacidade
Ou incapacidade.
E sua intimidade.
Nas linhas e entrelinhas.
Não teria sido mais útil silenciar?
Deixar que saibam-te pelo que parece que és?
Que desejo é este que te leva a desnudar-te?
A desmascarar-te?
Que compulsão é esta?
O que buscas?
Será a incapacidade de fazer coisas úteis?
Mais objetivas?
É por isso que procuras o subjetivo?
Para quem a tua mensagem?
Para ti?
Para outrem?
Não sei.
Mais uma que faço sem saber por quê.
ASSINTONIA
Falta-me tristeza.
Instrumento mobilizador
Dos meus escritos.
Não há tragédia
À vista.
Nem lembranças
De tragédias passadas.
Nem dores no presente.
Lamentavelmente
Tudo anda bem.
Por isso
Andam mal
Os meus escritos.
QUEM?
Loira. Os olhos
Negros.
O cabelo, na raiz,
Negro.
Os lábios
Grossos.
O olhar (não os olhos)
Distante. Triste.
Romanceado. Vendo a África.
Sem a rapidez
E alegria
Dos olhos da loira
Postos na neve.
A quem minha memória
Deve armazenar?
A loira, falsa,
Ou a mulata, verdadeira?
EMBARQUE
Embarquei na tua nau
Sem rumo. Eu e tu.
Tu, porque não sabias
Para onde querias ir.
Eu, porque já tomei muitos rumos
Sem chegar a lugar nenhum.
ANÔNIMA INTIMIDADE
Correio elegante.
Hoje, torpedo.
Bom mesmo era o correio elegante
Nas quermesses do interior.
O garçom levava a sua mensagem para alguém.
Ou trazia,
Sempre anônimas,
Palavras de amor.
Ou admiração.
Despertava curiosidade.
Quem mandou?
E a sua mente divagava.
Sonhava.
Fantasiava.
Desejava.
Será ela?
Outra?
Era uma intimidade aquele anonimato.
Depois, você caminhava para sua casa, para seu quarto.
E dormia inebriado pelas palavras e pelo perfume
Que o correio elegante trazia.
VERMELHO
De vermelho
Flamejante.
Labaredas de fogo.
Olhos brilhantes
Que sorriem
Com lábios rubros.
Incêndios
Tomam contam de mim.
Minha mente
Minha alma.
Tudo meu
Em brasas.
Meu corpo
Incendiado
Consumido
Dissolvido.
Finalmente
Restam cinzas
Que espalho na cama
Para dormir.
* * * * * * *
caderno Ilustríssima
FOLHA DE S.PAULO
13/01/2013
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