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O DESDIZER DE SECCHIN E UMA VIDA DEDICADA À ARTE DA PALAVRA

Krishnamurti Góes dos Anjos

Do recente “Desdizer e antes” às primeiras publicações, o artigo analisa a produção poética de Antonio Carlos Secchin, dos recursos (meta)linguísticos às temáticas recorrentes na vasta poesia do autor

A vida de certos escritores merece retrospectiva panorâmica, ainda que breve, com o intuito maior de evidenciar não somente sua trajetória, mas como ocorreu/ocorre seu amadurecimento literário, sobretudo quando pautado em intensos estudos e reflexões. A recente edição de “Desdizer e antes” de Antonio Carlos Secchin é espelho de uma vida dedicada à literatura, ou à arte da palavra.

Editada pela Topbooks, a obra reúne – numa configuração cronológica inversa à apresentada no volume – poemas dos livros anteriores do poeta, divididos em dois blocos, a saber: 1º: o “Antes”, onde figuram poemas dos livros “Ária de Estação”, gestado entre (1969-1973), “Dispersos” (1974-1982), “Elementos” (1974-1983), “Diga-se de passagem” (1983-1988), “Aforismos” (1991-1999), “Todos os ventos” (1997-2002) e um 2º bloco a enfeixar 31 poemas mais recentes, que compõem propriamente este “Desdizer”.

Como se não bastasse, há ao final do volume, além da relação de obras do autor, capítulo sensacional sob o título “Depoimento”, onde lemos o texto “Escutas e escritas”, de 2006, redigido em 15 páginas com alta dose de metadiscursividade, que, como o nome indica, é processo segundo o qual o discurso de um locutor tem como objeto seu próprio discurso, constituindo a si mesmo como alteridade, ou seu próprio discurso como outro. Uma verdadeira aula, sobretudo para a multidão de candidatos a escritor dos dias que correm.

E quem é o autor de “Desdizer e antes”?

Mas quem é Antonio Carlos Secchin? O homem é um assombro mesmo. E num único parágrafo que não roube muito espaço à resenha: foi professor titular de Literatura Brasileira da UFRJ, Doutor em Letras pela mesma Universidade, crítico literário, autor de duas dezenas de livros, entre poesia, ensaio, ficcionismo e crítica, centenas de palestras e conferências em universidades pelo mundo afora, e um especialista na obra de João Cabral de Melo Neto. Íntimo conhecedor da poesia de Drummond e Cecília Meireles, vencedor de vários prêmios literários, e sobre a sua obra já escreveram nomes como os de Benedito Nunes, José Guilherme Merquior, Eduardo Portela, Alfredo Bosi, Antonio Houaiss, Sérgio Paulo Rouanet, José Paulo Paes, André Seffrin, Ivo Barbieri, Fábio Lucas e Ivan Junqueira. E, não esqueçamos: eleito em junho de 2004 para a Academia Brasileira de Letras, tornou-se, então, seu mais jovem membro. E chega.

Voltemos à obra.
Entre 1969 e 1973, quando o poeta tinha entre 17/21 anos, portanto mal saído da adolescência, publicou seu primeiro livro: “Ária de estação”. Nele, um poema chama a atenção pelo tom quase profético quanto ao que viria a ser a vida do autor dali por diante.

“Poema do infante”:
“É a noite. / E tudo escava tudo / na língua ambígua que desliza / para o esquivo jogo. / Amargo corpo, / que de mim a mim se furta, / não recuso teu percurso / no hálito das pedras / que me existem em ti / – estéril dorso entre águas / estancadas. / O nada, o perto, o pouco, / não posso dividir / do que se espera o que me habita, / ao fazer fluir a vida antiga / de um menino que mediu o lado impuro. / Operário do precário, / me limito nesse corpo amanhecido, / asa e gozo onde a morte mora. / Minha vida mapeada e descumprida, / está pronta para o preço dessa hora”.

Veja-se, também o poema “A Fernando Pessoa”, em que já está inoculado no autor um certo sentido de contínuo reciclar vida/poesia:
“Ser é corrigir o que se foi, / e pensar o passado na garganta do amanhã. / E crispar o sono dos infantes, / com seus braços de inventar as buscas / em caminhos doidos e distantes. / É caminhar entre o porto e a lenda / de um tempo arremessado contra o mar. / Domar o leme das nuvens, onde mora / o mito, a glória, de um deus a naufragar”.

Sobre esse livro, o poeta escreve na seção “Depoimento” que, aos 20 anos, vivia um “período de descoberta e encanto diante do universo da poesia, e as múltiplas ressonâncias que esse universo me provocou”. Já o livro seguinte, “Elementos” (1974-1983), que o poeta define como “minha obra mais ambiciosa e minuciosamente planejada, representa(ou) a opção por uma linguagem densamente metafórica, não raro hermética, com exacerbação metalinguística centrada na insuficiência da palavra frente a um real que sempre escapa”. Constituem essa obra quatro séries de poemas sob os títulos: “Ar”, “Fogo”, “Terra” e “Água”, cada um com seis poemas de evocação fenomenológica dos quatro elementos como parte integrante da sua estrutura, mas também como reflexo dos vários planos de existência do ser humano.

Da obra “Diga-se de passagem” (1983-1988) colhemos um exemplo de metapoesia como ela se afigurava ao poeta de 36 anos, e veja-se o amadurecimento em estado de latência:

“Biografia”:
“O poema vai nascendo / num passo que desafia: / numa hora eu já o levo, / outra vez ele me guia.
O poema vai nascendo, / mas seu corpo é prematuro, / letra lenta que incendeia / com a carícia de um murro.
O poema vai nascendo / sem mão ou mãe que o sustente, / e perverso me contradiz / insuportavelmente.
Jorro que engole e segura / o pedaço duro do grito, / o poema vai nascendo, / pombo de pluma e granito”.

Os aforismos que constam em “Desdizer” como uma seção à parte, datados de 1991 a 1999, e que originalmente foram “desentranhados dos livros “Poesia e desordem” e “Escritos sobre poesia & alguma ficção”, são, segundo o autor, um esforço de cultivar o seu pomar poético “no âmago da linguagem ensaística”. Uma tentativa de “injetar no discurso crítico algo da dimensão mais criativa da linguagem da poesia”. Pinçamos alguns aforismos instigantes:
4. “Nossa liberdade passa não apenas pelas palavras em que nos reconhecemos, mas sobretudo pelas palavras com as quais aprendemos a nos transformar”.
12. “A antiordem foi moderna no modernismo; repeti-la ainda hoje, sob a capa de vanguarda, é iludir o leitor, ao dar-lhe o passado de presente”.
13. “Onde é hoje aceita a moeda do poeta? Uma resposta seria: no material barato da vida, nas grandes liquidações existenciais, nas pontas de estoque afetivo”.
33. “Se eu já soubesse o que o poema diria, não precisaria escrevê-lo. Escrevo para desaprender o que eu achava que sabia sobre aquilo que me vai sendo ensinado enquanto escrevo”.
35. “Contrariando o axioma do velho São Tomé, cabe à arte ver para descrer, isto é, recusar os esquemas confortavelmente explicativos da realidade e injetar o vírus da desconfiança em meio a toda unanimidade eufórica”.

Segue-se o penúltimo livro, “Todos os ventos”, onde, segundo o autor, há um diálogo “pretensamente em nível mais elaborado, com a multiplicidade de linguagens já estampada em “Ária de estação”. Sabemos pelo depoimento ao final do volume que, entre os anos de 2000/2002, depois do interregno dos “aforismos”, que nos parece causado pela força dos compromissos com a crítica literária e a cátedra na universidade, o poema “retornou” ao autor que compôs a obra com arcabouço extremamente irônico.

Uma obra de fragmentos particulares, é verdade, mas completos em si, compositores da unidade denominada “Todos os ventos”. O leitor atento há de convir que é extremamente difícil escolher um ou outro poema a comentar. Se um nos estimula pela técnica apurada, já outro nos seduz pela sensibilidade. Citamos, todavia, aqueles que nos transmitem a força da memória que parece acompanhar o poeta desde sempre. Note-se a plena consciência da passagem do tempo e como esse fluir temporal foi se cristalizando poeticamente. Belíssimos testemunho.

Da série “Dez sonetos da circunstância”. Soneto “De chumbo eram somente dez soldados”:
“De chumbo eram somente dez soldados, / plantados entre a Pérsia e o sono fundo, / e com certeza o espaço dessa mesa / era maior que o diâmetro do mundo.
Carícias de montanhas matutinas / com degraus desenhados pelo vento; / mas na lisa planície da alegria / corre o rio feroz do esquecimento.
Meninos e manhãs, densas lembranças / que o tempo contamina até o osso, / fazendo da memória um balde cego
vazando no negrume do meu poço. / Pouco a pouco vão sendo derrubados / as manhãs, os meninos e os soldados”.

Soneto “A casa não se acaba…”:
“A casa não se acaba na soleira, / nem na laje, onde pássaros se escondem. / A casa só se acaba quando morrem / os sonhos inquilinos de um homem.
Caminha no meu corpo abstrata e viva, / vibrando na lembrança como imagem / de tudo que não vai morrer, embora / as maçãs apodreçam na paisagem.
Sob o ríspido sol do meio-dia, / me desmorono diante dela, e tonto / bato à porta de ser ontem alegria.
O silêncio transborda pelo forro. / E eu já nem sei o que fazer de tanto / passado vindo em busca de socorro”

Mas é o no soneto “Poema para 2002” que o autor deixa escapar o bom humor e a ironia que também o caracterizam nessa fase de maturidade, do “ríspido sol do meio-dia” da vida. Francamente, como não sorrir com o terceiro verso do soneto?

“Caxumba, catapora, amigdalite, / miopia, nevralgia, crise asmática. / Dor de dente, dor de corno, hepatite, / diabete, arritmia e matemática. / Helenas, Marianas e Marcelos, / tomate, hipocondrias e chicória, / sacerdotes, baratas, pesadelos, / calvície, dentadura e desmemória. / Pé quebrado, verso torto, ruim de bola, / nervoso, nariz grande, cu de ferro. / Desastrado, imprudente e noves fora / foi muita prosa para um gozo zero. / E para coroar todos os danos / bem-vindos sejam os meus cinquenta anos”.

E finalmente chegamos ao poeta de “Desdizer”, o de 2017, fase de plena maturidade criativa e total domínio da expressão poética que lhe permite lançar mão de impressionante diversidade de dicções que se manifesta tanto na forma quanto nos temas dos poemas reunidos.

Coabitam o mesmo espaço da obra o verso uniforme e o variado, o olhar para o universo cósmico e para a favela que expulsa a pontapés a primavera, o metadiscurso e a referência social, a memória sempre voltada para um menino de um tempo que não volta, a família, o estoicismo discreto e o bom humor, mas são peças (e disso não se duvide) que, vistas em seu conjunto, apresentam um caráter nitidamente antinormativo.

Parece-nos que Secchin deseja “não só tentar desdizer a herança enorme e maravilhosa que recebemos, mas desdizer a si mesmo”. E, a propósito, veja-se a utilização de um dos gêneros mais solenes, o soneto, para tratar temas mais mundanos. Sobre a obra alguém escreveu ainda que “os 31 novos poemas estampam intensa variedade de temas e de procedimentos técnicos, justificando o princípio de que, mais do que dizer, cabe ao poeta desdizer – não apenas o que outros dizem, mas também o que ele próprio dissera, numa chave (auto) irônica que atravessa toda a obra”. Há marcadamente na obra um eu lúcido e aberto que espia e se espia para anunciar no cerne da precária condição humana a verdade do ser. Exemplos do que ficou dito acima.

Poema “Língua negra, Rio 30 graus”:
“Bem longe explode em preto / a pele cósmica de uma estrela, / aqui arde em silêncio / a pele grossa de uma vela. / Negra é a língua que se enreda / para um salto sem saber o que a espera. / Negra, negra língua, / com seu gosto de esgoto e quimera. / Língua que se desfaz, liquefeita, / na cachaça trôpega dos bares da favela./ Língua que ao pó retorna, heroína / celebrada na veia aberta das vielas. / Passos que galopam para o abismo, / expulsando a pontapés a primavera. / Um fio de luz desmancha o frio. / Anoitece no Rio de Janeiro”.

Reflita-se mais detidamente sobre o “Soneto da boa vizinhança II”, no qual em que pese o bom humor, fica-nos ao cabo da leitura o incômodo com o clima de futilidade, vazio existencial, e desconfiança geral em que vivemos:
“Se quiser, vai lá em casa pra assistir o jogo. / A Claudete eu não pego de jeito nenhum. / Esse rapaz não boto minha mão no fogo. / A coisa rola solta lá no 101. / Perdi dois quilos com a dieta do elefante. / Ah, se o Mengão ganhar, aí é que eu me acabo. / O flagra aconteceu na esquina da Constante. / Farofa? Sim, mas não dispenso orelha e rabo. / Tacaram pedra na Brasília da Janete, / me disseram que foi vingança do Batista. / Sabia que a Suely vendeu a quitinete / e a Marinês fugiu com a filha do dentista? / Eu não invejo o morador da cobertura, / o sol da tarde deve ser uma tortura”.

“Poema promíscuo” é a resposta irônica do poeta aos “pajés” da literatura:
“Disseram que voltei muito mecanizado, / com ritmo correto, muita rima rica, / que não tolero nada que não seja aquilo / que seja exatamente o que Bilac dita.
Disseram que com a forma estou bem preocupado, / e corre por aí, com maior certeza, / que muito pouco vale tanta velharia / de alguém que ainda pensa em produzir beleza.
Não sei o que o futuro guarda de armadilha, / porém não vou ficar parado e prisioneiro / de quem, pajé pujante em sua antiga taba, / dali pretende governar o mundo inteiro.
Para cima da poesia não vale esse veneno, / que já destila seu sabor de cianureto. / Enquanto a tribo grita “Por aí não passa”, / Passa um poema concreto ao lado de um soneto”.

Finalmente o texto “Escutas e escritas (2006)”, que constitui verdadeira aula sobre poesia. Na impossibilidade de transcrever todo o texto, fica o primeiro parágrafo, bem casadinho com um dos poemas. Fala primeiro o crítico e depois o poeta.

“Escutas e escritas” (2006):
“Em antigo poema, “Poema do infante” [transcrito no início da resenha], referi-me a um ‘operário do precário’. Hoje percebo que, mesmo sem intenção expressa, acabei formulando nesse verso uma definição do ofício do poeta: um operário da linguagem, um experimentador de formas, cuja eficácia é posta à prova a cada verso ou estrofe que acaba de erguer. O alvo de sua palavra é instável e flutuante: abarca, a rigor, todos os meandros da experiência humana, em suas calmarias e convulsões, em sua sede inesgotável do infinito e do absoluto, na inestimável demanda de novos sentidos. Eis a sina do escritor: acertar não no que vê, mas no que intui”.

Poema “Autorretrato”:
“Um poeta nunca sabe / onde sua voz termina, / se é dele de fato a voz / que no seu nome se assina. / Nem sabe se a vida alheia / é seu pasto de rapina, / ou se o outro é que lhe invade, / numa voragem assassina. / Nenhum poeta conhece / esse motor que maquina / a explosão da coisa escrita / contra a crosta da rotina. / Entender inteiro o poeta / é bem malsinada sina: / quando o supomos em cena, / já vai sumindo na esquina, / entrando na contramão / do que o bom senso lhe ensina. / Por sob a zona da sombra, / navega em meio à neblina. / Sabe que nasce do escuro / a poesia que o ilumina”.

No discurso de recepção a Ferreira Gullar na Academia Brasileira de Letras, em 05 de dezembro de 2014, Secchin dirigiu-se ao novo acadêmico afirmando: “Vossa insatisfação com o exercício de uma poesia com parâmetros prévios aflora no verso “eu colho a ausência que me queima as mãos”. Aí se verbaliza a consciência de que o artista se alimenta daquilo que não há, do invisível que se oculta num real sempre pouco e pequeno para nossa fome inestancável de compreendê-lo. Um real em perpétua fuga, inacessível, a deixar apenas as feridas de uma ausência, que cintila no esplendor de seu vazio. No mesmo poema, dizeis à amada-poesia: ‘Mas sempre que me acerco vai-se embora.// Assim persigo-a, lúcido e demente’. Os poetas são, a rigor, Ulisses às avessas: aventureiros que perseguem sereias inalcançáveis e ensurdecidas. Intuem que elas jamais se deixarão conquistar, mas sabem também que, apesar disso, compete-lhes cantar até a absoluta exaustão do derradeiro fio da voz”.

Essa “esperança doida que é o próprio nome da vida” – para lembrar Gullar–, que o workaholic (trabalhador compulsivo) da literatura que é Antonio Carlos Secchin tomou para si no mesmíssimo caminho dos grandes poetas, e de que é exemplo vivo este seu “Desdizer”.

Publicado em https://homoliteratus.com/ em maio de 2018.

 

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